Já estamos em guerra, simplesmente isso não foi comunicado à maioria.

Capitalismo de Rendas

Entorpecendo as massas

Com cada semana que vai passando o clima social em Portugal torna-se algo mais tenso. A cada comunicação (imaculadamente estudada em antecipação pelos gestores de relações públicas – cujo custo desconhecemos na sua totalidade ou sequer parcialmente) dos poderes instituídos (governos, patronato, comentadores de serviço, etc) o mal-estar adensa-se e dado que a recuperação prometida não vai ocorrer nem em 2012 nem 2013, como tinha sido prometido, torna-se preocupante para estes mesmos poderes verem as massas inquietas. Enquanto só forem gemendo e resmungando não há grande problema porque para todos os efeitos estão desmobilizados e não são capazes de colocar qualquer travão ao que lhes está a ser feito; o grande problema (na óptica dos poderes) é o risco crescente (de forma quase exponencial) de que haja realmente não apenas uma mobilização aqui e ali mas que se crie um estado de mobilização geral da população gerido por vários sectores político-ideológicos variados mas todos opostos ao “sistema”. Aí, em linguagem muito simples, o governo tomba, os partidos arriscam-se a um descrédito quase total e, no pior dos cenários, a III República cai (não é o mais provável mas até essa possibilidade está em cima da mesa).

O que nos resta realmente?

Eis que surgem os analgésicos. É preciso deixar as pessoas sem sensação, sem opinião, confusas e essencialmente quietas. O mais recente pode ser um estudo de opinião da Deloitte (uma consultora que, em Portugal, se especializou em fiscalidade, contabilidade e temas associados) que parece revelar que a maioria dos portugueses não só apoia as medidas que estão a ser tomadas pelo executivo como as entende e as acha mesmo necessárias – a parte mais deliciosa é quando afirma que os jovens parecem estar mais optimistas (resta saber se esses jovens ocupam lugares de consultores ou se serão mesmo jovens normais num país com uma taxa de desemprego jovem real que provavelmente se aproxima dos 40%). De uma amostra não muito significativa (pouco mais que 700 inquiridos), escolhida por critérios que desconhecemos (em nenhum momento é noticiado que a amostra seja aleatória) quer-se criar uma nova legitimidade para um governo que já está fora das suas promessas eleitorais há meses – já que o selo de aprovação democrática parece mais ténue a cada manifestação e movimento que surge. É de notar também que não sabemos quais os laços económicos entre a Deloitte e o governo, alguns dos seus membros ou mesmo com os sectores económicos que saem a ganhar com este orçamento de estado (mais uma vez em lado algum é afirmado, muito menos provado, este distanciamento e imparcialidade) – a existir uma relação comercial continuada com o executivo, com pessoas a ele próximas ou interesses económicos beneficiados passaríamos a estar perante uma peça de propaganda encomendada e abençoada pelos media que a aceitaram publicar. Mesmo não existindo interesses económicos cruzados (os mesmo jornais que alegremente publicaram o estudo deveriam é claro ter feito jornalismo de investigação para assegurar a veracidade do que publicam…) há matéria suficiente para questionar seriamente as afirmações do estudo.

O anestésico social não tem que ser químico.

Não penso que este tipo de manobras surta grande efeito junto da população geral que já suspeita por natureza (e com toda a razão) das empresas privadas e dos consultores em particular. Não só isso como a sua própria realidade diária desmente este nível de apoio ao governo (nem em épocas de vacas gordas se conseguem estes números de aprovação que rondam, supostamente, os dois terços). Pode quanto muito apaziguar algumas consciências dentro do PSD que começam a estar algo preocupadas com o rumo que as coisas estão a seguir e que temem pela sobrevivência do partido após a partida de Passos Coelho (eu apontava para cerca de mais 8 meses a 1 ano de governação, dependendo da evolução internacional). A nível mundial, e Portugal não é excepção, a artificialidade de acordos e apoios dentro do sistema e um suporte não democrático de algumas organizações pretensamente “tecnocráticas” não silenciam as vozes cada mais fortes de populações que foram excluídas da governação dos seus próprios países.


Forças de Mercado

É hilariante ver como quem defendia intransigentemente o pagamento integral da dívida grega vai agora aceitar pacatamente metade desse valor sem mais questões. É a prova que os próprios credores reconhecem que essa dívida não foi acumulada de forma honesta e que mesmo perdendo 50% dela continuarão a ganhar escandalosamente com a quase falência de uma país e o abandono de milhões de pessoas à mais pura selvajaria económica e injustiça social. Mais divertido ainda é ver como um dos principais sorvedouros de dinheiro deste país continua activo e de boa saúde. O desastre BPN foi posto aos pés do anterior governo (cada um que acredite nos contos de fada que quiser…) mas mesmo depois de vendido (a parte saudável – por um preço escandalosamente baixo que levante sérias dúvidas sobre quem definiu os prazos de venda) deixou-nos os activos tóxicos para serem financiados por nós.

Temos que compreender que há pessoas que não podem ser abandonadas à sua sorte... o comum dos mortais não faz mal mas membros das elites económicas? Seria o fim da civilização...

A banca mais uma vez recusa tomar qualquer acção que ajude a arcar com este fardo e levanta uma questão cada vez mais premente: para que serve? Não arca com o seu peso em impostos. Não financia a economia real como devia, pois tem a maioria dos seus activos em empréstimos à habitação e ao consumo. Não aceita um esquema de taxação especial de alguns dos seus accionistas mais ricos cujos ganhos são inteiramente de natureza especulativa. E por fim alguns exigem 12 mil milhões (valor mínimo) do dinheiro que vamos receber do FMI sem dar nada em troca. Dada esta situação começo a perguntar-me se não seria mais saudável para o país simplesmente ter o estado como entidade que concede empréstimos à economia e privados (de forma directa) em vez de termos os bancos como intermediários que não acrescentam nada à equação que não sejam custos e taxas extra ao cidadão (que não recebe nada em troca e ainda paga duas vezes o mesmo valor, uma vez aos estrangeiros em impostos e outra à banca nacional acrescida de uma gorda comissão). Numa altura que se fala de privatizar o que resta da banca estatal eu acho que era de considerar a criação de um modelo de empréstimo estatal directo, com ou sem a Caixa Geral de Depósitos, como forma de aliviar o custo do crédito útil.

Internacionalmente é quase deprimente olhar para a figura que fazem os políticos portugueses que regularmente se vão humilhar ritualmente perante outros líderes europeus (a si próprios e inevitavelmente, por associação, a nós) para dar provas que são mesmo bem mandados (ou “bons alunos” como eufemisticamente os media preferem). Sim estamos em dificuldades mas temos também um poder destruidor dentro da zona euro completamente desproporcional ao peso real da nossa economia o que nos torna perigosos e com mais a perder do que a ganhar com o status quo – a isto dá-se o nome de poder negocial, facto que o nosso governo parece desconhecer. Tudo isto parece passar ao lado das nossas elites (meritocráticas segundo dizem e está na moda) e preferimos continuar a apresentar-nos sem dignidade, orgulho ou honra face a uma Europa cheia de preconceitos contra a Europa do Sul. Queremos ser vistos como bons tecnocratas económicos, fiéis servos dos mecanismos de mercado nem que isso arruíne ainda mais o já muito fraco peso político internacional do país.


A aprendizagem

Sabendo nós que um país, a Grécia, em tudo parecido com o nosso, está à beira de uma guerra civil ou pelo menos caos social de grandes dimensões – sendo os grandes responsáveis a classe política grega que se recusa terminantemente a servir o seu povo, pôr os instrumentos democráticos de que dispõe em acção e, em suma, renegar uma dívida que foi em muito acrescida pela mera especulação exterior e não pela acumulação interna – todos em Portugal parecem tirar algumas lições sobre o que se passou e ainda pode passar. Para o governo em funções (eu dei-lhes 18 meses de vida quando tomaram posse mas a este ritmo, e dependendo da evolução internacional, posso muito bem ter que rever esse número em baixa) a lição é clara e unívoca: domínio social dos seus patrocinadores económicos ganha prioridade a todo o custo (já que podem não ter tempo de implementar ou inutilizar tudo o que desejam) nem que destruam irremediavelmente o partido a que pertencem como alternativa democrática credível para todo o sempre.

A fome de poder e riqueza corre o risco de deixar 90% das pessoas pelo caminho...

As medidas dividem-se em várias esferas mas não vacilam quanto ao seu propósito. Refazer o país e tudo o que o definiu até este momento de forma essencialmente secreta e antidemocrática (há muito que o seu mandato legítimo foi ultrapassado mas o ritmo reformador só acelera). Quando confrontado com as reservas de uma das pessoas que o colocou onde está (sim é verdade que apenas o parece falar neste momento para salvar o seu legado pessoal face à análise histórica futura, ninguém quer ser conhecido como o último chefe de estado de nenhum regime) o Primeiro-Ministro pura e simplesmente não comenta. Silêncio que mantém sobre a crescente presença angolana em todas as esferas da nossa vida (com fundos derivados de um governo cada vez mais contestado no seu próprio país) A crua realidade é que quem detém poder (ou conivência) suficiente não precisa de prestar contas ao povo. O modelo económico vacila mas ignora-se majestosamente as consequências do que só pode vir a ser um colapso total do consumo (provavelmente acabando em deflação daqui a uns tempos) porque isso afinal de contas até pode ser útil para domar as pessoas e desde que não afecte algumas empresas chave não é relevante – e quem discordar é sumariamente ignorado.

Para uns sim para outro não... e nada mais perverso que vender isto como a ordem natural das coisas.

Não sendo um governo de esquerda é estranho que faça lembrar medidas mais soviéticas que aquelas os próprios comunistas portugueses alguma vez puseram em cima da mesa para a população em geral. Propõe-se o trabalho gratuito do funcionário público para algumas instituições (escolhidas sabe deus por que critério… ), sendo que só num plano imaginário poderá o dito funcionário sentir-se em liberdade de dizer não a esta “proposta”. Quer concorde ou não com a orientação ideológica de algumas organizações será então forçado a “doar” o seu trabalho a elas. Ou seja haverá grupos ideológicos (concordantes com o governo e seus apoiantes socialmente relevantes) que passam a beneficiar de uma força de trabalho gratuita e qualificada. E para terminar, numa nota ainda mais preocupante, tal como na Grécia começamos a ter casos de movimentações neo-nazis que parecem ser mais ou menos toleradas pelas forças de segurança que sendo que é verdade que impediram o confronto também não detiveram, ou sequer identificaram, todos os responsáveis. Estes grupos extremistas estão no céu com esta situação social e começam a apalpar o terreno para ver quanta violência será tolerada por parte de grupos paramilitares ilegais – haverá “caçadas”, lideradas pela extrema-direita armada até aos dentes, pelas ruas de Lisboa e Porto a manifestantes como noutros países?


O modelo insustentável

Ao longo do pouco tempo que este governo tem estado em funções (depois do que deve ter sido uma tomada de posse em tempo record e um número imbatível de decretos por dia) já se começa a ter uma ideia de qual é a Grande Estratégia que têm para o país. Devemos trabalhar para nos transformarmos nas Filipinas da Europa. Salários baixos permanentemente, educação mediana (com tendência a baixar drasticamente em poucas gerações), corrupção galopante (nenhum governo que se diga determinado a combater a corrupção pode permitir que aberrações fiscais como a Zona Franca da Madeira continuem a funcionar) e uma economia essencialmente virada para nichos de mercado de exportação e pouco preocupada (ou melhor, perfeitamente indiferente) em satisfazer as necessidades nacionais. É verdade que ainda não estamos bem ao nível que nos parecem querer colocar, faltam uns quantos toques de brutalidade policial, violações à privacidade, destruição do conceito de cidadania, criação de um clima de apatia e medo mas a verdade é que parecemos determinados em dar largos passos para preencher essas graves lacunas no nosso novo perfil internacional.

Bem-vindo ao paraíso, se tiver uns milhões a mais.

Este modelo, de um ponto de vista meramente económico, era irrealista desde o dia em que foi concebido visto que as exportações nunca poderiam crescer ao nível desejado tendo o euro como moeda e muito menos sem se reduzir o trabalhador médio ao nível salarial de um servo da gleba do século XI – e por muito que se faça para baixar o nível de vida médio e o salário a verdade é que nunca seriamos competitivos com os mercados asiáticos. Mas, para quem o desenhou, tinha outras vantagens que penso que terão contribuído a ter sido adoptado. Em primeiro lugar joga com todos os complexos de superioridade das nossas elites. Promete reduzir de forma brutal o que eles consideram ser o poder abusivo do servo, perdão assalariado, em reclamar direitos legais e coloca-o a todos os níveis na dependência do seu patrono (talvez “senhor” ou “amo” sejam mais adequados à nova realidade). Em segundo lugar mantém todo o país como aquilo que sempre desejaram que fosse, uma coutada privada de algumas famílias que tudo podem e que são absolutamente intocáveis (a todos os níveis). E finalmente drena as massas de energia que poderiam usar para combater a sua situação sem ter que recorrer ao modelo clássico de integração dos melhores. É um circulo perfeito e inquebrável, pelo menos em teoria.

Parece que das duas uma... ou se esqueceu que os próximos em tribunal poderiam ser eles próprios ou não têm intenções de largar o poder. Nunca. Será que também teremos responsabilidade criminal por outras coisas? E que tal um julgamento por juri sorteado da população geral? Não? Porquê?

Supostamente era isto que nos iria impedir de acabar como a Grécia (como se a Grécia, entre outros, em termos populares não estivesse anos-luz à nossa em frente em reivindicação). Não era acabar com o chocante facto de a esmagadora maioria das empresas de grade dimensão praticarem elisão fiscal numa escala que é, pelos vistos, só moralmente criminosa já que os lacaios políticos criaram as aberturas certas em termos de fuga financeira legal (empresários esses que não têm qualquer pudor em vir a público dar lições de moral sobre ética e o funcionamento do estado ou o que as classes desfavorecidas merecem) que nos podia levar a uma situação melhor. Não caro leitor. Era o modelo de desenvolvimento de emulação de um país disfuncional de terceiro ou quarto mundo. Volto a dizer que estas reformas políticas têm muito de agenda de domínio social para certos grupos e que até o que se está a querer vender como medidas de responsabilização e moralização da vida política nas mãos de algumas pessoas podem acabar em simples vendettas pessoais e políticas com vista a perpetuar o poder partidário e acima de tudo a preponderância pessoal dos controladores destas redes de influência.


A Nova Pirâmide Social

Não que algum partido que tenha estado no governo tenha tido realmente boas intenções para com a área da educação mas esta coligação está realmente está a distinguir-se por levar as iniciativas de todos os outros à sua conclusão lógica: a transformação total do Ensino Público numa espécie de gueto onde se despejam ao abandono os filhos de quem não é “relevante” (caso esteja em dúvida se não está no percentil dos 10%, ou mesmo 5%, mais ricos do país então não é relevante para este sistema – e os seus filhos terão que se resignar a serem baixas numa guerra cultural não declarada). Os cortes que estão nesta altura previstos para o sector são o triplo (sim leu bem, o triplo!!) daquilo que até foi acordado quando recebemos o empréstimo à banca, do FMI e UE, que todos temos que pagar sabe-se lá como. Isto não tem qualquer justificação racional. Nem pode ter tendo em conta que este ministro da área passou a vida a criticar o anterior governo por “falsificar resultados” (com facilitismos). Se, supostamente, tinha problemas que, antes das eleições eram catastróficos, eles serão resolvidos com esta solução que o que faz é despedir 30000 professores e cortar o triplo da verba requerida? Além destas medidas que ultrapassam largamente o meramente draconiano, são genuinamente punitivas do sector da Educação Pública, ainda ficamos na dúvida sobre a validade do concurso que colocou os professores que sobraram, havendo suspeita de irregularidades (não que acredito por um segundo que qualquer investigação revele seja o que for mas de qualquer fica o alerta dos sindicatos).

O problema é que as pessoas já não fazem isto às nossas elites e eles, naturalmente, sentem-se ultrajados. Como se atrevem os campónios a não fazer o beija-mão? Já não bastava perder o título nobiliárquico e agora isto…

Para onde podemos caminhar com um cenário destes? Bem não será muito complicado adivinhar que o objectivo parece ser duplo. Por um lado a destruição da Educação Pública seguida de um mega processo de privatização das áreas do ensino mais apetecíveis deixando as zonas “problemáticas” nas mãos do que sobrar do Ministério da Educação (ou melhor ainda, se se quiser mesmo espalhar o caos total, colocar as escolas sob a tutela camarária). Após isto entramos num período de grande segmentação social dos alunos (se esse processo já hoje é visível imaginem depois disto tudo) em vários tipos diferentes de estabelecimentos e claro com o famoso cheque ensino o financiamento aberto de organizações religiosas elitistas que continuam a poder rejeitar qualquer aluno com base em qualquer critério imaginável. Avançando tudo estaremos perante um processo de segmentação populacional e engenharia social como já não se via desde os dias de ouro do Império Britânico. É o fim total da mobilidade social por via legal e ética.

Um novo slogan para as nossas elites? Podem acrescentar debaixo do brasão de família.

Dado que sempre considerei que acima de tudo os objectivos das elites portuguesas eram sociais e culturais, antes de serem económicos (basta ver o ineficaz sistema de cunhas que vigora com uma pujança nunca antes vista no sector privado – o objectivo não é capitalizar os ganhos ou maximizar o lucro, o objectivo é promover uma estrutura de poder com as “pessoas certas”), não é de estranhar que se use a crise para tapar o que, eu penso que, será um dos principais legados deste governo e o sistema político que está a compactuar com isto (o silêncio de alguns sectores é ensurdecedor). Com a ameaça de não querermos ser Gregos estão a ir conseguindo impor as coisas, pouco a pouco, mesmo quando no epicentro político e financeiro do mundo se começa repensar este tipo de políticas e a credibilidade deste tipo de elites.


O Mini Panóptico

À medida que o mal-estar avança na sociedade portuguesa e os sinais começam a não ser disfarçáveis (mesmo com o controlo da esmagadora maioria dos canais de informação) isto tem como consequência directa que as forças que tomaram o Estado como ferramenta de poder pessoal começam a ficar de alerta – afinal de contas parece que ficaram assustados quando uma só central sindical (supostamente a morrer como todos os sindicatos, ou assim os seus homens de mão têm prometido há mais de 20 anos… que lentamente iriam apagar a representação colectiva do mapa laboral português) consegue movimentar 180 mil pessoas só em Lisboa e Porto sem haver nenhuma medida em concreto como alvo. Vamos ser claros: as necessidades deste grupo de poder, desta elite se quisermos (no sentido de efectivamente comandarem poder não do representarem excelência), não vão diminuir com o tempo. O modelo económico que escolheram baseado em rendas semifeudais e acordos mútuos de partilha de mercados vão continuar a ter quebras por muito que usem o chicote nos seus funcionários ou por muito que forcem os seus servos políticos a criar legislação favorável a si. A razão é simples nenhuma nação pode ser moderna e civilizada sem uma grande classe média. Nenhuma economia deste tipo pode prosperar sem o poder de compra dessa mesma classe média cujo consumo não pode ser substituído em volume ou variedade pelo consumo de uma classe privilegiada minoritária, por muito abastada que seja. E ao condenar a classe média com a defesa sem excepções do interesse privado e mesquinho, estes grupos, selaram o seu próprio destino do qual ninguém, nem o Estado que tanto se esforçaram para tornar uma criatura sua, os pode salvar. A decadência seguida da inexistência.

Meus caros o fato pode ser Gucci mas a corda aperta e enforca à mesma...

Ou assim o temem. Pelo menos os mais previdentes das elites – e há alguns. Se os mecanismos normais não funcionam está na altura de entrarem os extraordinários. O que se chamaria noutros tempos a santíssima trindade: vigilância, censura e repressão. Já está no ar a ordem de começar a apertar a vigilância e a preparar as outras duas, só não sabemos que forma irão escolher para estas medidas. Provavelmente, sendo isto Portugal, vai-se começar com jogos linguísticos. O que engloba a liberdade de expressão (os que são imunes à crítica), quem engloba (licenciar ou pelo menos registar qualquer pessoa que emita uma opinião pública), criar nomes aos novos críticos; descamisados, incapazes, preguiçosos e sem talento para o cidadão médio que se recusar a venerar ao altar do regime;  hooligans, vândalos e escumalha se forem manifestantes no campo; traidores e demagogos se usarem o campo intelectual e criminosos e terroristas para os que puserem mesmo em risco a estabilidade e integridade física do sistema. Depois de findo este processo de recriação de todo um conjunto de pessoas podemos ter uma verdadeira caça ao dissidente usando todos os meios que a tecnologia moderna proporciona e o estado português usa.

Em teoria temos tudo garantido na realidade depende do uso que quiser fazer da maquinaria do poder...

Mesmo havendo sinais do exterior em como se deveria ir contra as políticas que estão a ser tomadas em vários campos a elite nacional está demasiado comprometida… Até de um ponto de vista quase que emocional são incapazes de mudar os seus ódios seculares, os seus sentimentos indevidos de superioridade face ao cidadão normal (noutros países situações similares levaram a extremos…), a sua forma de gerir os negócios ou mesmo a sua forma de domínio social. Preferem trazer todo o edifício abaixo a abrir mão de um só grão de areia que seja. Promete verdadeiramente ser um conflito sem remorso, piedade ou qualquer possibilidade de negociação.


Focos de Combate

Tal como a Doutrina de Choque exige quando se quer avassalar um povo psicologicamente não se pode dar descanso, há que ser incansável no fornecimento de (des)informação. Tem que existir um bombardeamento constante de novos dados em tal quantidade e velocidade que as pessoas comecem a perder não só o seu sentido de orientação como a noção da realidade. Não sabem o que é simplesmente um projecto ou que está a ser implementado. Não distinguem o que é uma ameaça de algo que pode ser real. É este caos mental total que é o resultado desejável para evitar contestação concreta e justificada – afinal de contas quem não sabe muito bem o que se passa não se consegue mobilizar contra nada em específico ou organizar-se com outros (nem conseguiriam concordar em qual é a realidade). A guerra cerrada e implacável ao conceito de “Público” avança a todo o gás e como não podia deixar de ser continuam a sair “notícias” que querem dar a entender que a culpa do défice é das empresas que ainda são geridas pelo Estado (quando no fundo muitas delas são de bens públicos e são as únicas no país onde existe qualquer tipo de controlo remuneratório à gestão de topo). Mais uma vez não se especifica nada, em que diferentes áreas estas empresas operam, quais os sectores em que a dívida foi acumulada, como foi acumulada, etc. É tudo metido no mesmo saco como interessa porque dessa forma dá para liquidar tudo simultaneamente numa onda gigante de dissoluções (ou aberturas de espaço de mercado para os privados) e privatizações (compra de bens públicos por meia dúzia de euros por privados bem colocados politicamente).

A insaciabilidade das elites portuguesas por negócios fáceis é lendária.

Mas isto é apenas o presente e as nossas elites até pensam no futuro, o deles (mas isso não vem ao caso). Como o condicionamento social deve ser começado o mais cedo possível (para evitar quebras comportamentais mais tarde na vida) os tais prémios aos melhores alunos do secundário foram abolidos. Assim sem mais nem menos resolveu-se acabar com o pequeno gesto simbólico que servia essencialmente como uma honra social para quem desenvolveu grande esforço académico; a mensagem é clara, não queremos saber destes alunos, sejam eles bons ou maus – claro que nos próximos dias sairá uma nota oficial do Ministério da Educação a explicar como isto faz parte do esquema de poupanças do Estado e que qualquer leitura ideológica seria desapropriada, ficamos é sem perceber como é que os 500 euros por aluno levariam a nação à bancarrota quando ninguém parece muito preocupado com um buraco de pelo menos 6 mil milhões de euros numa região autónoma. Do bloqueio aos incentivos para a excelência seguimos para a justificação moral dos efeitos dos despedimentos em massa que já forma feitos e ainda estão por fazer (e acreditem que mal se começou porque a avalanche de incentivos que este governo está a criar nesse sentido ainda não está a funcionar em pleno), afinal as pessoas reformam-se porque estão deprimidas. O que não duvido por um segundo. O que não se explica é a causa da depressão. Perda de status social? Poder de compra? Situação profissional? Salário mais baixo? Horas extra não remuneradas? Más condições de trabalho? É um vazio de explicações em que só cabe a palavra depressão, assim passa a ser um problema de incapacidade psiquiátrica da pessoa que sai e não o resultado de políticas sistemáticas.

A citação completa é a seguinte e explica porque se deve olhar para o longo prazo: "Only a crisis - actual or perceived - produces real change. When that crisis occurs, the actions that are taken depend on the ideas that are lying around. That, I believe, is our basic function: to develop alternatives to existing policies, to keep them alive and available until the politically impossible becomes the politically inevitable"

E, claro, tudo isto leva o selo de aprovação dos meios de comunicação respeitáveis que já dizem que o apoio a este governo é entusiástico. Fiquei com sérias dúvidas sobre onde terá sido realizada esta sondagem porque tenho um círculo de contactos ainda alargado e tirando pessoas filiadas nos partidos de governo não conheço ninguém que dê sequer uma nota positiva ao que estão a fazer, quanto mais que votasse, ou voltasse a votar, neles. Não corresponde de todo à minha experiência quotidiana. Mas se vem noticiado é porque sem dúvida é verdade e os portugueses não só estão a adorar isto como ainda estão mais entusiasmados que antes, quase parece que cada corte no seu poder compra e na sua dignidade como cidadãos os excita ainda mais. Afinal parece que somos um povo de masoquistas.


A servidão subsidiada

Quando pensamos que as coisas não podem piorar ou que não podem sair mais ideias absurdas de um governo eles tendem a surpreender-nos, pela negativa, e insistem em lançar mais pacotes todas as semanas que fariam os anjos chorar. Com um desemprego real que deve rondar os cerca de 1 milhão de trabalhadores (as estatísticas mais simpáticas que circulam tendem a excluir um certo número de categorias de pessoas que ainda são, de facto e para todos os efeitos, trabalhadores sem ocupação) vai ser lançado um novo programa piloto que visa pagar às empresas para empregar quem não tem ocupação há mais de 6 meses. Sim leram bem. As empresas vão passar a ser pagas a 420 euros mensais por cada desempregado de longo-prazo que “acolherem” (o mesmo que o dito desempregado recebe de subsídio). Não há qualquer referência ao nível de qualificação do desempregado o que provavelmente quer dizer que são pagos todos pelo mesmo valor, ou seja, é possível desde o momento em que este programa for lançado que uma empresa seja paga para obter um técnico qualificado que precisa de qualquer forma. O dito técnico no entanto é forçado a aceitar uma remuneração abaixo do salário mínimo (porque afinal de contas é contabilizado como uma compensação social e não um salário – como é bonito brincar com as palavras).

As saudades que a pobreza abjecta do antigamente gera no sector conservador…

Mesmo sendo anunciado como uma espécie de programa de estágios de longa duração qualquer pessoa que tenha tido o mais leve contacto, directo ou indirecto, com essa instituição (o estágio profissional) sabe que isso em Portugal equivale a um carrossel que não garante nem emprego nem futuro a ninguém (e agora pelos vistos nem salário, só uma mísera prestação social). No dia que sai um estagiário entra outro para a mesma vaga sendo o lugar nunca preenchido e nunca entrando ninguém para os quadros da empresa – agora claro passa a existir a vantagem de não se tratar de jovens de 21 anos mas sim de, potencialmente, técnicos que já têm anos de formação, experiência e hábitos de trabalho. A ser realmente implementado nesta fase piloto (a 35000 desempregados de longo termo, ou seja, cerca de 3,5% da população de desempregados reais) e a não existir contestação suficiente corremos o sério risco de isto se tornar a forma de contratação preferencial em Portugal nas próximas décadas (alguém acredita que o empresário português não vai abusar e esticar este regime até ao limite?).

Como todos sabemos as ajudas estatais a certos sectores servem apenas o bem comum! E quem diz o contrário não sabe os sacrifícios exigidos aos nossos magnatas especulativos…

Claro que nos próximos dias e semanas estão previstas dezenas (nas palavras do ministro da economia) de novas medidas nesta área e se fossemos algo cautelosos poderíamos dizer que quase que parece que se quer diluir o efeito mediático que uma bomba destas poderia ter na sociedade. Mas para o caso de isto não passar o crivo da opinião pública já foram lançadas para o ar novas ameaças quanto à gravidade crescente da crise e como consequência lógica, não explícita, a necessidade do trabalhador se sujeitar ainda mais, o que pode incluir adicar do conceito de salário, aceitar a prestação social como substituto e ainda subsidiar (provavelmente através de impostos indiscriminados ao consumo) as empresas que lucram como este novo sistema. É curioso que em medidas que era suposto ajudarem o cidadão comum (esta nem na teoria ajuda mas está a ser vendida como tal) este governo propõe-se gastar a fabulosa soma de 100 milhões de euros mas no entanto está mais que disposto a enterrar a título perdido 12 mil milhões num sistema bancário que cavou a sua própria sepultura. Até nestas coisas se vê o que é realmente importante.

 

Adivinhem quem está de volta?

Ps: Entretanto os factos estranhos ou quase que intimidatórios não se limitam a esta medida laboral, temos mesmo uma semana em grande. Temos o sector televisivo estatal a misteriosamente abster-se de licitar conteúdos de audiências garantidas, aparecem, mais uma vez em alturas chave, estudos que visam reforçar a normalidade da ideia de privatização de certas áreas vitais e é dado mais um passo de agressividade conservadora religiosa que silenciosamente cria as bases sociais para poder voltar em toda a sua força – mais um passo na reconstrução da sua legitimidade pública.


O fim da bolha

Há décadas que Portugal vive uma bolha imobiliária (em particular nos distritos de maior densidade populacional, especialmente Lisboa) muito curiosa. Uma bolha que parecia não ter começo, meio e fim como todas as outras noutros países; apenas uma longa e contínua subida. Isto é facilmente explicável. O começo da bolha parece estar na descolagem de nível de vida que a classe média começou a ter em fins dos anos 70, inícios dos anos 80 e que foi continuado até aos 90s, mas, depois, deveria ter-se seguido um período de estagnação seguido de muito perto por uma queda real dos preços (na ordem dos dois dígitos percentuais dadas as valorizações excessivas) mas no entanto os preços continuaram estranhamente a subir. A partir de 2000 a situação começa a transformar-se numa verdadeira pintura verdadeiramente surreal à la Dali. Há sinais constantes de abrandamento económico, minicrises em vários sectores, um desemprego que vai lenta mas seguramente crescendo e os preços das habitações não sofrem qualquer oscilação negativa. Nada. Antes pelo contrário continuam uma escalada ascendente. É verdade que a escalada foi menor que noutros países (cerca de 45% entre 96 e 2007 contra os record 350% da Irlanda – falamos de médias nacionais em Lisboa e Vale do Tejo estes valores estão subavaliados) mas isso fica-se a dever a vários factores locais como o facto de ser um mercado mais maduro (menos clientes disponíveis) a todos os níveis, quer em termos da percentagem de quem já detém um empréstimo à habitação quer da saturação de construção, e com o agravamento da situação laboral da população mais jovem (com algumas excepções) que pelo seu tipo de trabalho se vê em grande parte excluída do crédito de longa duração.

A prova que a cura para a bolha especulativa não é o arrendamento, que não estamos fora da média europeia e que privar os portugueses do único activo que têm na meia idade, ou fim de vida, (a casa) não iria resolver nada.

Em termos reais (tendo em conta os custos de construção, mais as margens de lucro e não desconsiderando a qualidade) há claramente uma sobrevalorização do que é construído que só tem sido possível por um só factor. A banca. Que sustém os empréstimos que faz ao sector da construção por tempo indeterminado (o que impede grandes quedas de preço mesmo quando a procura abranda já que as empresas não têm grandes problemas de cashflows) e que continua a financiar a construção de novos projectos (privados ou públicos) para que essas mesmas empresas nunca sejam obrigadas a liquidar bens (baixar preços a níveis realistas). Porque o fazem? Penso que por duas razões essenciais e uma que secundária deriva das duas primeiras. Em primeiro lugar, como em quase toda a alta burguesia deste país, há laços familiares entre os bancos e as empresas (façam uma consulta pelos altos quadros e vejam quantos nomes “estranhos” se repetem, se forem mais fundo até descobrem o grau de parentesco). Em segundo lugar os bancos tornaram-se accionistas das construtoras e vice-versa o que cria uma teia de interesses cruzados (e a consequência lógica é que se um deles cair o outro vai atrás pouco depois). E por fim ao ter escolhido este modelo altamente personalizado de fazer negócio a banca portuguesa acabou por se fechar no nicho de concessão de crédito a habitação (tudo o resto é negligenciável em termos de proporção) o que torna os seus resultados a médio prazo completamente dependentes da bolha que ajudaram a criar.

A escolha destes dois sectores como centrais para Portugal foi um erro colossal e está a demonstrar ser um sorvedouro de dinheiro sem fim à vista.

Pela primeira vez em décadas este modelo está mesmo seriamente ameaçado. Os preços estagnaram desde 2007 e não mostram quaisquer sinais de recuperação (dado o estado das finanças familiares portuguesas só por milagre é que isso poderia acontecer – era mais provável apanhar com o satélite em cima) e começam mesmo a descer (e sente-se aqui o horror do sector como um todo). A necessidade de capitalização dos bancos nacionais (ou que operam por cá) está a criar tensões mesmo no seio das grandes famílias, sendo que os que gerem a parte bancária começam a precisar das dívidas que não cobraram até agora ou que reestruturaram. O que isto significa é que os dois maiores investimentos políticos na economia do pós-25  de Abril podem estar prestes a ruir (a escolha de serem estes dois foi, e é, muito duvidosa em todas as perspectivas mas não há dúvida que foi feita e assumida): a banca (para onde se têm canalizado mundos e fundos) e o principal sector de actividade económica do país até há bem pouco tempo, a construção civil. Dado o plano de fragilizar a classe média ainda mais nos seus direitos e o Estado ir, a curto prazo, criar mais 50000 desempregados directos (como mais uma vez já tinha sido dito em campanha e ninguém pareceu ouvir… esperemos que a urgência deste novo corte não se deva a outras situações dúbiascomo é que pensam que este cenário vai evoluir?


Os senhores deste mundo

Como já havia ficado prometido há uns meses (até durante a campanha para quem esteve atento) a nova legislação laboral parece apostada em derrotar tudo o que foi feito depois de 1974, em alguns casos parece mesmo decidida em ir mais atrás. Não só passamos então a ter o despedimento por inadequação (a palavra já existe no léxico legal mas enquanto antes era aplicada a mudanças tecnológicas e obrigava o empregador a recolocar o trabalhador o novo significado implica algo completamente diferente, como não cumprir objectivos “negociados” ou “diminuição de produtividade”) que além de se traduzir por despedimento livre e gratuito, num país em que o patronato tem uma cultura de abuso sistemático sobre a sua força de trabalho, introduz o efeito negativo do terror constante no funcionário (que a partir desta altura sabe estar completamente à mercê dos caprichos do empregador). Quase que funciona como uma escola de obediência social para as classes médias e baixas, baseada no medo claro. É uma alteração total do conceito de “justa causa”? Claro que é. É inconstitucional? Parece que é. Mas e depois? Os empresários do povo estão contentes com o seu governo e é isso que é verdadeiramente importante.

O novo sistema de compensação

Trabalhadores, que na sua maioria já estão privados de representação sindical real (basta ver que o trabalho tem tendência a ser precário e mesmo quando não o é há formas de penalizar quem sai da linha – isto sem contar com a guerra de propaganda anti-sindical começada pelos conservadores há mais de 35 anos), vão agora ser obrigados a cumprir objectivos que “negociaram” de forma individual com uma entidade comercial que pode facturar centenas ou milhares de milhões de euros anualmente. É incrível que esta farsa possa sequer ser noticiada sem ser seguida de uma crítica violenta (é aqui que se vê o quanto a imprensa é mesmo um negócio) quando o poder dos parceiros é completamente díspar. Que equilíbrio pode existir nestas situações? Que escolha existe senão aceitar o que é proposto? Que melhor forma terá uma empresa se livrar de alguém que pôr-lhe objectivos impossíveis em áreas problemáticas? E que dizer das quebras de produtividade? As armadilhas ao trabalhador são as mesmas acrescidas agora do facto, natural e humano, de não sermos máquinas e da nossa produtividade não ser constante, mas mais uma vez o objectivo é a destruição de tudo o que a pessoa tem fora do emprego até que a sua existência seja uma de pura servidão. A sua vida pessoal deve desaparecer, ou tornar-se vestigial, sob pena de não ter como se sustentar (e quem se se recusa ou não é capaz quase que perde o seu direito à existência). Sem dúvida que caminhamos para uma realidade laboral cada vez mais Dickensiana em que para sermos reduzidos a operários de século XIX só falta abolir o horário e salários mínimos e termos de pernoitar na fábrica.

A única função que esperam e permitem ao Homem comum

Um dos aspectos mais surreais desta política é que ela não é contra cíclica. Antes pelo contrário. Parece que se escolheram intencionalmente as medidas que mais poderiam penalizar qualquer hipótese de recuperação económica (dentro de um espaço de tempo realista como 3 ou 4 anos e não seis meses como este governo lança para os jornais). Na cultura que temos estas medidas vão levar a um aumento do despedimento que por sua vez vai levar as pessoas ao desemprego e a uma diminuição do seu rendimento para consumo. Por sua vez o subsídio de desemprego deve diminuir e as regras de atribuição vão apertar ainda mais o que reforça a perda de poder compra. Para quem ainda fica a trabalhar as horas extraordinárias vão perder metade do seu valor o que de novo reduz o rendimento do trabalhador. Além do efeito falsificador que os objectivos arbitrários vão ter nos horários, que inevitavelmente se irão tornar mais longos (não oficialmente) impendido assim a contratação de mais pessoas e o aumento do consumo dessas pessoas. Em tudo isto só se vê um agravamento profundo da crise que só poderia ser resolvida por uma dinamização das classes médias e baixas e do seu consumo associado! Parece que intencionalmente se quer agravar a situação social do país e gerar um clima de ainda mais que medo, puro terror. O terror pode ser uma ferramenta muito útil. Para o que é que se precisaria de tal utensílio é que já não sabemos.


O fortalecimento das barreiras sociais

Não houve qualquer surpresa nas medidas anunciadas hoje pelo governo e muito menos em descobrir sobre quem vão incidir: o que ainda existe da classe média (caso não tenham percebido o IRS só taxa quem tem mesmo um emprego, ou seja, trabalha… ou seja não tem uma empresa para declarar que recebe um salário mínimo recebendo o grosso do bolo em dividendos ou outra figura legal equivalente ainda mais obscura). Como estava previsto impostos de herança sobre grandes fortunas ficaram na gaveta, tributar ganhos financeiros nem pensar, taxar propriedades acima de determinado valor (e falamos na ordem dos milhões por isso guardem as lágrimas derramadas em nome destas almas danadas que seriam penalizadas) nem está em cima da mesa para discussão. Claro que tivemos direito a um frenesim mediático o dia todo onde os comentadores bem domesticados comunicam a inevitabilidade das medidas e a sua justiça. A raiva que alguns sentem (resultado dos maus tratos e impotência total) é canalizada para meia dúzia de gritos semi-histéricos na Tv ou rádio, sem grande efeito, e ainda esta semana a maquinaria do Estado e grupos económicos privados associados começará, não só a respirar de alívio, como a implementar tudo o que foi “corajosamente” decidido.

A preocupação e cuidado humano que os nossos gloriosos mestres demonstram para connosco é comovente!

Outras medidas mais de longo prazo também vão começar a fazer efeito e a corroer o tecido social como por exemplo o facto de as bases dos serviços de educação (quando não mesmo a filosofia subjacente ao próprio conceito de educação) estarem essencialmente a ser demolidas em várias frentes. Num lado as creches são entregues a privados que usarão a partir deste momento trabalho voluntário (antes tinham mesmo que contratar profissionais mas pelos vistos em Portugal só algumas crianças é que merecem a atenção de pessoas devidamente treinadas o resto pode ficar nas mãos de amadores bem intencionados). Isto essencialmente vai degradar as condições de trabalho nesta área, já complicada, ao ponto de as tornar impossíveis (afinal de contas se legalmente posso lá ter alguém gratuitamente porque iria pagar?). Noutra frente da mesma batalha sacrifica-se completamente qualquer qualidade de ensino em nome de umas economias miseráveis e mal explicadas – dá a impressão que o objectivo de tudo isto é não só o de parar o elevador social (que já estava fora de serviço há mais de uma década) como de o desligar de vez e barricar as escadas contra qualquer intruso. As turmas aumentam, a pressão sobre os técnicos aumenta, a escola é partidarizada ainda mais e quase 40000 técnicos superiores ficam no desemprego. Outros países aproveitaram as suas grandes crises para criar grandes reformas na educação, em Portugal tomam-se medidas que só poderão contribuir para solidificar o sistema de castas sociais.

Se está a ler este blogue então tenho o triste dever de o informar que provavelmente estará do lado de fora da muralha…

Tudo indica que não haverá solidariedade entre classes sociais em Portugal. Esta muralha da China financeira e legal (e suspeito que mais tarde policial) já estabeleceu (em toda a sinceridade talvez seja melhor dizer que apenas clarificou já que o processo não foi iniciado hoje) aqueles que são os eleitos que pertencem ao “Império Celeste” e aqueles que pertencem às tribos bárbaras tributárias deste grande ponto de emanação de “ordem”. Esquecem-se, ou preferem esquecer, que do outro lado da barreira que criam pode nascer um grande Khan…

“Eu sou o castigo de Deus… se não tivessem cometido grandes pecados, Deus não teria enviado um tão severo castigo como eu sobre vocês.” – frase atribuida a Gengis Khan


O imposto que não deverá ver a luz do dia

Com um título destes quase que daria vontade de celebrar! Pela primeira vez, em memória viva, um imposto seria pensado mas não aplicado. Mas como o leitor cauteloso já adivinha trata-se apenas de uma pequena ironia da minha parte. Falo claro do “imposto sobre os ricos” que supostamente estaria a ser considerado por este governo depois de muito pressionado quer por outros sectores quer pelos próprios eventos internacionais. As elites portuguesas viram-se apanhadas numa onda de responsabilidade social e não sabem como sair da situação de forma mais ou menos airosa sem criar, ainda mais, conflito social e ressentimento. O que este debate provavelmente irá começar propor é um aumento do IRS para o último escalão mas claro que isso seria enganador porque esses não são os ricos, como aliás explica muito claramente Carvalho da Silva neste pequeno comentário; no caso dos verdadeiramente ricos os seus rendimentos são inconstantes, móveis, só taxados ocasionalmente e nunca com impostos sobre o trabalho. Mas o que está verdadeiramente em discussão não é uma questão de fiscalidade ou legalidade mas sim de solidariedade nacional e civismo. Se não sair nada, que realmente nivele o fardo económico e social da crise, desta iniciativa o povo português sentir-se-á, ainda mais, abandonado e traído pelas suas elites económicas e perceberá de uma vez por todas que os interesses desta mesma elite divergem, enquanto classe social, dos do resto do país.

Estamos todos no mesmo barco, mas uns parece que têm colete salva vidas

Não sei se Marc Ferro tem razão quando afirma que o ressentimento é o motor da história mas corremos o sério risco de o vir a descobrir se não houver uma grande sensibilidade a gerir este tema e capacidade de cedência por parte de quem tem ainda margem de manobra económica pois como o historiador afirma o ressentimento é um fenómeno circular que se alimenta a si próprio numa espiral de violência: “O ressentimento não é apanágio daqueles que no início identificámos como vítimas: escravos, classes oprimidas, povos vencidos, etc. A investigação descobre que, simultânea ou alternadamente, o ressentimento pode afectar, inibir não apenas uma das partes em causa, mas as duas. O caso da reacção que se segue a uma revolução é óbvio, mas os percursos deste tipo são múltiplos e variados”(1). Ou seja é algo no qual se pode controlar o inicio mas nunca o fim. Uma verdadeira roleta russa civilizacional. Duvido muito que os milionários portugueses tenham o alcance (ou a preocupação) para ver as coisas nestes termos mas para quem quer continuar a ter um país, mais ou menos, funcional convém ter uma perspectiva mais alargada.

Claramente sofrem de má publicidade e de falta de meios de resposta...

Percebo até certo ponto a complacência deste grupo social privilegiado. Há já muito tempo que ninguém os desafia verdadeiramente da sua posição de dominância e dada a cultura nacional de abuso sobre os que ocupam uma posição hierárquica ou socialmente inferior muitos não conseguem sequer conceber mentalmente a possibilidade de um dia terem uma resposta que não seja canalizada através dos novos meios de protesto inútil. Mas em todos os grupos chega sempre uma altura em que fica claro se os membros permanecerão todos juntos e lutam lado a lado ou se haverá traições e quintas colunas. Tenho receio de já conhecer o destino do caso português, a nossa história e tradições parecem conspirar contra nós.

(1)    Ferro, Marc; O Ressentimento na História; Editorial Teorema, 2009; página 192


O paradigma continua a mutar

Comecei este espaço a falar de um caso que na minha opinião reflectia uma tentativa mais ou menos transparente do sector conservador voltar a ter uma posição de relevo social. O que se calhar deveria ter deixado mais claro é que isso era apenas uma das muitas possíveis manifestações de um mesmo fenómeno. Quase que se poderia afirmar, se para estivéssemos para aí inclinados, que existiria um grupo conservador organizado em Portugal, fortíssimo, com laços políticos e financeiros que seriam verdadeiramente tentaculares que, tendo perdido em toda a linha (ao longo de quatro décadas) na revolução dos costumes e na batalha pela mente das pessoas, se retirou durante uns anos (alguns em exílio físico, outros só “espiritual”) mas que regressou rapidamente ao activo e estabeleceu bases de ataque permanentes em certos campos (dos quais nada está fora de consideração incluindo a ciência, a religião e a arte). Como é de conhecimento comum um paradigma não se muda rapidamente a não ser em situações de extrema pressão para a estrutura socioeconómica existente (que curiosamente é o nosso caso…) e normalmente começa com meia dúzia de iniciativas muito “low key” para poder medir a reacção popular (ou preferivelmente a falta dela) da segurança e conforto das sombras.

O ser perfeitamente adaptado às necessidades comerciais e da vida moderna.

Se o outro caso que me levou a este tema abordava o código de vestuário que se queria impor numa Universidade Portuguesa (à sombra de um estatuto legal algo dúbio que gerações de políticos ligados à esfera da educação se recusaram terminantemente a clarificar) este é sobre uma exposição de arte cancelada. E por motivos de várias ordens sou obrigado a admitir que é impossível traçar uma linha directa entre as duas coisas, para todos os efeitos são dois eventos díspares que têm apenas a particularidade de poderem encaixar numa determinada mudança de atitude pública face a certas liberdades. O leitor que decida o que fazer com a informação e a que conclusão chegar. Neste caso o artista, João Pedro Vale, vê a sua exposição cancelada pela companhia seguradora que o patrocinava. Segundo o artista porque lhe foi claramente dado a entender que era demasiado gay. A expressão usada foi “não compatível com os valores da empresa” o que nos deixa na dúvida se dizem isso a todos os clientes que lhe passam pela porta… “desculpe mas você não é compatível com os valores desta empresa”. Foi-lhe sugerida a hipótese de censura prévia pelos “stakeholders” (não especificados…) de forma a, supomos, torna-la mais “aceitável” (ao paladar de quem desconhecemos porque não sabemos especificamente quem se está a queixar). E assim começamos a standardizar até a produção artística segundo o padrão do Conselho de Administração. O gosto do homem comum (tal como a sua informação) passa a ser decido por meia dúzia de não-eleitos que não dão a cara).  Quase que parece um regresso ao capitalismo familiar na sua face mais opressiva. A do pequeno dono rural que quer controlar e moldar tudo e todos dentro do seu pequeno domínio.

Este provavelmente também teria que ser submetido a aprovação prévia...

Não estando provada a ligação dos eventos. Ou o envolvimento coerente da corrente conservadora. Ou de uma série de outras coisas que não se escrevem em documentos e como tal nunca serão passiveis de ser provadas. Resta-nos ver que num mês temos dois episódios mais ou menos significativos no sentido de regular o gosto e comportamentos gerais para um padrão mais aceitável para o conservadorismo de um determinado sector social. Para uma sociedade que se diz livre teremos ou um alto grau de conservadorismo reprimido ou estaremos a ser empurrados para determinados “corredores” de pensamento e comportamento como fomos noutros tempos. Pode ser mais subtil e ter como capa o direito (não sei se já foi considerado sagrado ou não…) de propriedade privada mas não o torna menos desagradável, opressivo ou indevidamente regulador.


Desilusões perigosas

Acho fantástico que se as pessoas pela primeira vez em décadas comecem a dar sinais de vida cívica, ou pública, e estejam já a preparar uma nova manifestação contra precariedade e todo o sistema que a mantém. Mostra que pelo menos ainda não estão completamente apáticos face ao que lhes está a ser imposto. Mas há graves problemas com a mentalidade que este tipo de iniciativa incentiva. Em primeiro lugar quase que dá a entender que isto é um passeio de Domingo em que até dá para ser divertido – o objectivo de qualquer movimentação social séria não é que as pessoas que nele participam estejam divertidas, para isso o sistema já proporciona, com uma vasta gama de preços e gostos, entretimento para todos; a intenção seria quebrar precisamente esse circulo vicioso diversão com aparência de contestação. Em segundo lugar, e isto é o mais importante, estas primeiras manifestações populares estão destinadas ao fracasso. Quando se sai para a rua é para das duas uma, ou fazer uma exigência concreta ou forçar alguém a abandonar o cargo. Neste caso não há nada disso no cardápio. É uma manifestação apenas por manifestação. Nada é pedido em concreto e como tal nada pode ser oferecido, não existem possibilidades negociais quando não há exigências concretas.

Brincamos?

Se me estivesse a sentir particularmente cínico diria que estão a cansar intencionalmente as pessoas com eventos que não podem pela sua natureza e organização (ou falta dela) produzir resultados reais com o objectivo de as imunizar a iniciativas que possam surgir, mais tarde, com algum potencial de sucesso e de mudança. Criar uma boa dose de desilusão com a vida pública (no verdadeiro sentido da palavra, de participação na Pólis, directamente e não apenas de forma afastada e inconstante como a nossa cultura política nos forçou) nas novas gerações para depois facilitar uma imposição de conformismo. Esperemos que não seja o caso e eu esteja apenas algo pessimista. Esperemos que se trate antes de um acordar de responsabilidade cívica por parte de pessoas que quase que se esqueciam que faziam parte de uma comunidade política. Mas por este ponto de vista convém então refrear, e muito, as esperanças que se possam ter sobre este primeiro tipo de iniciativas. Não vão dar em nada concreto, nem é suposto darem em nada (tal como pode comprovar pelo que aconteceu lá fora).

Se eu não fosse Alexandre, queria ser Diógenes...

No imediato o que há mesmo a esperar é que a continuação do teatrinho das “reformas” e da seriedade intocável. E da “enorme” preocupação com a despesa pública. Ou pelo menos aquela parte que é destinada à redistribuição social, fomento da economia real e manutenção de serviços públicos suficientes que nos permitam pelo menos aspirar ainda a ser um país senão do primeiro mundo pelo menos do segundo.


A demolição prossegue a bom ritmo

Se há algo que não me canso de repetir neste blogue é que o governo tem pressa. Tem pressa em legislar. Tem pressa em começar a aplicar. E acima de tudo tem pressa para fechar portas. Há que correr antes que alguém comece a fazer muitas perguntas ou muitas contas que não possam ser afastadas com a ajuda de um “jornalista/entrevistador” simpático como simples trica partidária, má fé, ou ideologia (como se esta última não fosse sequer uma crítica legítima! É quase a proibição formal de falar de modelos de funcionamento de sociedade). Há pressa porque quando esse dia chegar acabou. As portas fecham-se. As pessoas simplesmente bloqueiam todo o funcionamento do Estado e Empresas satélite podendo chegar ao extremo de exigir a reposição de pelo menos parte daquilo que lhes foi retirado sem consentimento. Portanto, como qualquer um pode ver, é do interesse do Estado apressar a transferência de riqueza o máximo possível antes que tal suceda e trave muitas ambições. Agora chegou a vez dos equipamentos sociais (não se enervem desmesuradamente porque chegará a hora de outros sectores).

Não se preocupem... a receita é única e serve para todos.

A fome de oportunidades de rendimento fixo garantido de certas entidades comerciais chega ao ridículo de o Estado só deter neste momento menos de 5% do total destas instituições mas estar previsto o seu quase total desmantelamento. É verdade que é um sector que só pode crescer pois afinal todos queremos o melhor para os nossos filhos e pais mas o que não está a ser equacionado (incompreensivelmente) é o poder económico da classe média. Especialmente o facto de estar em queda livre. A procura pode existir teoricamente mas nunca poderá ser satisfeita pelos privados que ou exigem pagamento directo (que para a maioria é simplesmente impossível em termos de orçamento familiar) ou indirecto (através de subvenções do estado numa altura em que a carga fiscal se aproxima perigosamente daquilo que é possível sustentar como ser humano ainda livre – com a notável excepção das empresas e especialmente do sector especulativo que parecem fazer parte de outra economia, com outras regras e outras exigências que não a sobrevivência do país).

Há temas que é melhor ser mesmo assim... na sombra, no silêncio... sem nunca se perceber muito bem o como e o porquê...

As racionalizações são as banalidades do costume usadas para tapar mais uma transferência colossal de bens e rendimento (e poder social), mais uma suposta eficiência acrescida (em quê pode-se perguntar? – o curioso é que para outros sectores bem menos vitais do estado esse standard parece que se evaporou) que se traduz ou em menos direitos para os utentes ou para os funcionários ou ambos (e o efeito de bola de neve de tudo isto no resto da economia fica, como sempre, enterrado em montanhas de propaganda sobre a superioridade do mercado). Como se isto fosse positivo. Mais engraçado é ver uma das instituições que mais envolvida está no sector social (por razões próprias…) manter um silêncio espantoso sobre este tema gritante ou os detalhes que o rodeiam. O melhor mesmo é mostrar carinhas novas na TV deslumbradas com esplendor da corte em viagem e desejosos de fazer o beija-mão. Muito mais impressionante e evita questões embaraçosas. Já agora para quem estiver curioso o sector em questão vale 5% do PIB. Uma boa maquia não vos parece?