Já estamos em guerra, simplesmente isso não foi comunicado à maioria.

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O Elemento Democrático

A democracia, questão vital para qualquer país poder ser considerado para membro da União Europeia, está a dar uma dor de cabeça forte às elites económicas mundiais. Com o governo grego a ter que devolver o poder á sua população (era claro que se não o fizesse o próprio executivo seria removido forçosamente por iniciativa popular ou mesmo militar) começam a tocar sinais de alarme noutros sítios. Penso que não se trata tanto de um caso que o que está em causa seja o valor da dívida mas sim o princípio da recuperação da soberania nacional mesmo quando se tem 26 outros países do mesmo clube a sabotar essa tentativa de restabelecimento de justiça. Se a Grécia o fez então outros países, que ainda não tenham sido “castrados” politicamente, podem decidir fazer o mesmo (ou algo similar) e pura e simplesmente cumprir com as suas obrigações éticas, teoricamente, enquanto governos democráticos, e ouvir a população em questões chave que podem condicionar o desenvolvimento e nível de vida nacional durante décadas. Há claramente uma ameaça de derrocada do bloco de unidade artificial que Alemanha, França e FMI criaram.

Podem cair como dominós...

Claro que isto teve o seu preço e as chefias militares gregas foram substituídas para evitar a possibilidade de golpe (podem cansar-se de ficar à espera de um referendo que de momento ainda só está prometido) sendo que a credibilidade e prestígio dos oficiais substituídos só pode ter crescido e a sua autoridade moral, provavelmente, continuará intacta para efectuar as acções que forem necessárias (os burocratas de todos os países tendem a esquecer-se que as organizações não são apenas os organigramas que têm pendurados na parede). Em Portugal o governo começa a ficar preocupado com este estado de coisas porque, juntamente com várias entidades internacionais, investiu muito dos partidos e de algumas pessoas numa reforma radical do país seguindo o modelo grego. Ou seja, completamente à revelia do seu povo está a reconstruir o país à imagens dos seus ideólogos favoritos mudando radicalmente a natureza do estado, dos cargos públicos, das obrigações sociais, do nível de vida médio, do poder económico, das próprias relações sociais e acima de tudo da distribuição de poder entre classes e grupos. Isto é um verdadeiro golpe palaciano disfarçado de tecnocracia e obrigações internacionais.

Parecem existir dúvidas...

E é normal que comecem a estar preocupados. O prometido milagre dos conselheiros económicos que vieram de fora (pertençam ou não ao governo) não só não ocorreu como não houve qualquer recuperação de credibilidade económica internacional como, pior que tudo o resto, a situação social está a degenerar-se tão depressa que pode ameaçar o ritmo louco das reformas previstas. Um país na bancarrota não está em disposição de ouvir falar em sacrifícios da parte de quem não os partilha. Como avisei há já algum tempo Portugal chegará ao próximo Verão/Outono como um país bloqueado e parado perante o mesmo dilema que tem afligido a Grécia e que parece agora ir dar os primeiros passos numa solução credível.


A aprendizagem

Sabendo nós que um país, a Grécia, em tudo parecido com o nosso, está à beira de uma guerra civil ou pelo menos caos social de grandes dimensões – sendo os grandes responsáveis a classe política grega que se recusa terminantemente a servir o seu povo, pôr os instrumentos democráticos de que dispõe em acção e, em suma, renegar uma dívida que foi em muito acrescida pela mera especulação exterior e não pela acumulação interna – todos em Portugal parecem tirar algumas lições sobre o que se passou e ainda pode passar. Para o governo em funções (eu dei-lhes 18 meses de vida quando tomaram posse mas a este ritmo, e dependendo da evolução internacional, posso muito bem ter que rever esse número em baixa) a lição é clara e unívoca: domínio social dos seus patrocinadores económicos ganha prioridade a todo o custo (já que podem não ter tempo de implementar ou inutilizar tudo o que desejam) nem que destruam irremediavelmente o partido a que pertencem como alternativa democrática credível para todo o sempre.

A fome de poder e riqueza corre o risco de deixar 90% das pessoas pelo caminho...

As medidas dividem-se em várias esferas mas não vacilam quanto ao seu propósito. Refazer o país e tudo o que o definiu até este momento de forma essencialmente secreta e antidemocrática (há muito que o seu mandato legítimo foi ultrapassado mas o ritmo reformador só acelera). Quando confrontado com as reservas de uma das pessoas que o colocou onde está (sim é verdade que apenas o parece falar neste momento para salvar o seu legado pessoal face à análise histórica futura, ninguém quer ser conhecido como o último chefe de estado de nenhum regime) o Primeiro-Ministro pura e simplesmente não comenta. Silêncio que mantém sobre a crescente presença angolana em todas as esferas da nossa vida (com fundos derivados de um governo cada vez mais contestado no seu próprio país) A crua realidade é que quem detém poder (ou conivência) suficiente não precisa de prestar contas ao povo. O modelo económico vacila mas ignora-se majestosamente as consequências do que só pode vir a ser um colapso total do consumo (provavelmente acabando em deflação daqui a uns tempos) porque isso afinal de contas até pode ser útil para domar as pessoas e desde que não afecte algumas empresas chave não é relevante – e quem discordar é sumariamente ignorado.

Para uns sim para outro não... e nada mais perverso que vender isto como a ordem natural das coisas.

Não sendo um governo de esquerda é estranho que faça lembrar medidas mais soviéticas que aquelas os próprios comunistas portugueses alguma vez puseram em cima da mesa para a população em geral. Propõe-se o trabalho gratuito do funcionário público para algumas instituições (escolhidas sabe deus por que critério… ), sendo que só num plano imaginário poderá o dito funcionário sentir-se em liberdade de dizer não a esta “proposta”. Quer concorde ou não com a orientação ideológica de algumas organizações será então forçado a “doar” o seu trabalho a elas. Ou seja haverá grupos ideológicos (concordantes com o governo e seus apoiantes socialmente relevantes) que passam a beneficiar de uma força de trabalho gratuita e qualificada. E para terminar, numa nota ainda mais preocupante, tal como na Grécia começamos a ter casos de movimentações neo-nazis que parecem ser mais ou menos toleradas pelas forças de segurança que sendo que é verdade que impediram o confronto também não detiveram, ou sequer identificaram, todos os responsáveis. Estes grupos extremistas estão no céu com esta situação social e começam a apalpar o terreno para ver quanta violência será tolerada por parte de grupos paramilitares ilegais – haverá “caçadas”, lideradas pela extrema-direita armada até aos dentes, pelas ruas de Lisboa e Porto a manifestantes como noutros países?


Que comecem os jogos

Depois de meses a escrever sobre o resultado das medidas do governo e a direcção que estavam a seguir sinto-me completamente reivindicado no que escrevi. O que está anunciado é exactamente o previsto, a destruição do que sobrou da classe média por simples razões de domínio social. Se a dívida é a causa de tudo então porque razão é que as medidas não foram anunciadas no início do mandato ou depois da avaliação da Troika? O FMI não sabe avaliar contas públicas? Mais ainda, onde andaram estes dois partidos enquanto isto, a dita divida, estava ser feito? Não sabiam de rigorosamente nada?? As coisas não passam pelo parlamento? Não tiveram governos próprios? Não têm amigos na imprensa para publicar os números? Os órgãos de verificação não publicam relatórios? Mesmo que tudo isto fosse verdade (e não é) Portugal é demasiado pequeno e as nossas elites demasiado próximas para que tudo (mas absolutamente tudo) o que seja matéria de governo não circule de forma aberta a certo nível. O orçamento é primariamente da responsabilidade moral deste governo (foi ele que decidiu que isto era o necessário e foi ele que o propôs) e de forma secundária do sistema partidário como um todo que devia ter feito mais para parar este desastre previsível. A sociedade já devia estar mais mobilizada contra esta violência da classe social dominante.

A classe dominante, objectivo único a preservar no Novo Portugal.

As medidas sucedem-se e tudo o que mexe e/ou respira leva com taxa, faça ou não sentido. Tenha ou não efeitos completamente opostos ao crescimento económico. Volto aqui a dizer que todas as medidas deste governo têm sido pró-cíclicas e só vão contribuir para transformar a grande crise internacional de 2012 num verdadeiro apocalipse social para os portugueses. Ainda mais preocupante é que o que tem sido dito sobre o risco para a democracia parece ter algumas bases racionais, não se tratando apenas de pessimismo de quem já viu muita coisa má acontecer. Temos banqueiros a entrar nos edifícios onde está a ser decidido o orçamento de estado (duas horas antes de ser anunciado) e dizem-nos que vem falar com algum assistente administrativo glorificado sobre assuntos relativos à emigração (cada um que julgue conforme a realidade em que pensa que vive). Temos cortes em todos os sectores menos no policial dando a entender que se prepara a repressão de seja o que for que aí vier que não seja baixar a cabeça e concordar com os donos deste país. E como já tinha dito aqui começam a jogar com os termos… a manifestação para a sobrevivência de centenas de milhares de pessoas no limiar da pobreza é equiparada a um jogo de bola. Como se os manifestantes fossem foliões que têm que ser mantidos em linha caso se excedam. Em outras palavras, está meio caminho semântico percorrido para serem rotulados de hooligans e vândalos.

E estes? Seriam hooligans? Bárbaros? Terroristas? Conspiradores? Tudo Junto? Abençoados sejam por darem o golpe de misericórdia a regime agonizante.

Sendo nós, supostamente, um país democrático e sendo a classe média e baixa quem vai pagar a crise (aliás já a estamos a pagar) seria justo pedir um referendo aos usos a dar às “ajudas” de fora. Não deveríamos ter uma voz sobre o destino a dar a esse dinheiro? Pagamos e não temos voto nem representação? Dizem que já se fizeram revoluções por causa disso. Não deveríamos também ter uma voz em que áreas cortar (pelo menos de forma geral) caso fosse mesmo necessário? Não teremos direito a votar sobre a existência de zonas francas? Ou sobre a penalização de empresas portuguesas sediadas lá fora por motivos fiscais? O governo pode ter legitimidade democrática mas isso não prova que todas as suas acções sejam para benefício da população e muito menos que isso lhe confira mandato ilimitado para oprimir a mesma. Temos o direito a reagir e a não sermos pisados como lixo descartável que é o que tem acontecido um pouco por todo o mundo. Não à falta de transparência das elites!


O modelo insustentável

Ao longo do pouco tempo que este governo tem estado em funções (depois do que deve ter sido uma tomada de posse em tempo record e um número imbatível de decretos por dia) já se começa a ter uma ideia de qual é a Grande Estratégia que têm para o país. Devemos trabalhar para nos transformarmos nas Filipinas da Europa. Salários baixos permanentemente, educação mediana (com tendência a baixar drasticamente em poucas gerações), corrupção galopante (nenhum governo que se diga determinado a combater a corrupção pode permitir que aberrações fiscais como a Zona Franca da Madeira continuem a funcionar) e uma economia essencialmente virada para nichos de mercado de exportação e pouco preocupada (ou melhor, perfeitamente indiferente) em satisfazer as necessidades nacionais. É verdade que ainda não estamos bem ao nível que nos parecem querer colocar, faltam uns quantos toques de brutalidade policial, violações à privacidade, destruição do conceito de cidadania, criação de um clima de apatia e medo mas a verdade é que parecemos determinados em dar largos passos para preencher essas graves lacunas no nosso novo perfil internacional.

Bem-vindo ao paraíso, se tiver uns milhões a mais.

Este modelo, de um ponto de vista meramente económico, era irrealista desde o dia em que foi concebido visto que as exportações nunca poderiam crescer ao nível desejado tendo o euro como moeda e muito menos sem se reduzir o trabalhador médio ao nível salarial de um servo da gleba do século XI – e por muito que se faça para baixar o nível de vida médio e o salário a verdade é que nunca seriamos competitivos com os mercados asiáticos. Mas, para quem o desenhou, tinha outras vantagens que penso que terão contribuído a ter sido adoptado. Em primeiro lugar joga com todos os complexos de superioridade das nossas elites. Promete reduzir de forma brutal o que eles consideram ser o poder abusivo do servo, perdão assalariado, em reclamar direitos legais e coloca-o a todos os níveis na dependência do seu patrono (talvez “senhor” ou “amo” sejam mais adequados à nova realidade). Em segundo lugar mantém todo o país como aquilo que sempre desejaram que fosse, uma coutada privada de algumas famílias que tudo podem e que são absolutamente intocáveis (a todos os níveis). E finalmente drena as massas de energia que poderiam usar para combater a sua situação sem ter que recorrer ao modelo clássico de integração dos melhores. É um circulo perfeito e inquebrável, pelo menos em teoria.

Parece que das duas uma... ou se esqueceu que os próximos em tribunal poderiam ser eles próprios ou não têm intenções de largar o poder. Nunca. Será que também teremos responsabilidade criminal por outras coisas? E que tal um julgamento por juri sorteado da população geral? Não? Porquê?

Supostamente era isto que nos iria impedir de acabar como a Grécia (como se a Grécia, entre outros, em termos populares não estivesse anos-luz à nossa em frente em reivindicação). Não era acabar com o chocante facto de a esmagadora maioria das empresas de grade dimensão praticarem elisão fiscal numa escala que é, pelos vistos, só moralmente criminosa já que os lacaios políticos criaram as aberturas certas em termos de fuga financeira legal (empresários esses que não têm qualquer pudor em vir a público dar lições de moral sobre ética e o funcionamento do estado ou o que as classes desfavorecidas merecem) que nos podia levar a uma situação melhor. Não caro leitor. Era o modelo de desenvolvimento de emulação de um país disfuncional de terceiro ou quarto mundo. Volto a dizer que estas reformas políticas têm muito de agenda de domínio social para certos grupos e que até o que se está a querer vender como medidas de responsabilização e moralização da vida política nas mãos de algumas pessoas podem acabar em simples vendettas pessoais e políticas com vista a perpetuar o poder partidário e acima de tudo a preponderância pessoal dos controladores destas redes de influência.


O Mini Panóptico

À medida que o mal-estar avança na sociedade portuguesa e os sinais começam a não ser disfarçáveis (mesmo com o controlo da esmagadora maioria dos canais de informação) isto tem como consequência directa que as forças que tomaram o Estado como ferramenta de poder pessoal começam a ficar de alerta – afinal de contas parece que ficaram assustados quando uma só central sindical (supostamente a morrer como todos os sindicatos, ou assim os seus homens de mão têm prometido há mais de 20 anos… que lentamente iriam apagar a representação colectiva do mapa laboral português) consegue movimentar 180 mil pessoas só em Lisboa e Porto sem haver nenhuma medida em concreto como alvo. Vamos ser claros: as necessidades deste grupo de poder, desta elite se quisermos (no sentido de efectivamente comandarem poder não do representarem excelência), não vão diminuir com o tempo. O modelo económico que escolheram baseado em rendas semifeudais e acordos mútuos de partilha de mercados vão continuar a ter quebras por muito que usem o chicote nos seus funcionários ou por muito que forcem os seus servos políticos a criar legislação favorável a si. A razão é simples nenhuma nação pode ser moderna e civilizada sem uma grande classe média. Nenhuma economia deste tipo pode prosperar sem o poder de compra dessa mesma classe média cujo consumo não pode ser substituído em volume ou variedade pelo consumo de uma classe privilegiada minoritária, por muito abastada que seja. E ao condenar a classe média com a defesa sem excepções do interesse privado e mesquinho, estes grupos, selaram o seu próprio destino do qual ninguém, nem o Estado que tanto se esforçaram para tornar uma criatura sua, os pode salvar. A decadência seguida da inexistência.

Meus caros o fato pode ser Gucci mas a corda aperta e enforca à mesma...

Ou assim o temem. Pelo menos os mais previdentes das elites – e há alguns. Se os mecanismos normais não funcionam está na altura de entrarem os extraordinários. O que se chamaria noutros tempos a santíssima trindade: vigilância, censura e repressão. Já está no ar a ordem de começar a apertar a vigilância e a preparar as outras duas, só não sabemos que forma irão escolher para estas medidas. Provavelmente, sendo isto Portugal, vai-se começar com jogos linguísticos. O que engloba a liberdade de expressão (os que são imunes à crítica), quem engloba (licenciar ou pelo menos registar qualquer pessoa que emita uma opinião pública), criar nomes aos novos críticos; descamisados, incapazes, preguiçosos e sem talento para o cidadão médio que se recusar a venerar ao altar do regime;  hooligans, vândalos e escumalha se forem manifestantes no campo; traidores e demagogos se usarem o campo intelectual e criminosos e terroristas para os que puserem mesmo em risco a estabilidade e integridade física do sistema. Depois de findo este processo de recriação de todo um conjunto de pessoas podemos ter uma verdadeira caça ao dissidente usando todos os meios que a tecnologia moderna proporciona e o estado português usa.

Em teoria temos tudo garantido na realidade depende do uso que quiser fazer da maquinaria do poder...

Mesmo havendo sinais do exterior em como se deveria ir contra as políticas que estão a ser tomadas em vários campos a elite nacional está demasiado comprometida… Até de um ponto de vista quase que emocional são incapazes de mudar os seus ódios seculares, os seus sentimentos indevidos de superioridade face ao cidadão normal (noutros países situações similares levaram a extremos…), a sua forma de gerir os negócios ou mesmo a sua forma de domínio social. Preferem trazer todo o edifício abaixo a abrir mão de um só grão de areia que seja. Promete verdadeiramente ser um conflito sem remorso, piedade ou qualquer possibilidade de negociação.


Focos de Combate

Tal como a Doutrina de Choque exige quando se quer avassalar um povo psicologicamente não se pode dar descanso, há que ser incansável no fornecimento de (des)informação. Tem que existir um bombardeamento constante de novos dados em tal quantidade e velocidade que as pessoas comecem a perder não só o seu sentido de orientação como a noção da realidade. Não sabem o que é simplesmente um projecto ou que está a ser implementado. Não distinguem o que é uma ameaça de algo que pode ser real. É este caos mental total que é o resultado desejável para evitar contestação concreta e justificada – afinal de contas quem não sabe muito bem o que se passa não se consegue mobilizar contra nada em específico ou organizar-se com outros (nem conseguiriam concordar em qual é a realidade). A guerra cerrada e implacável ao conceito de “Público” avança a todo o gás e como não podia deixar de ser continuam a sair “notícias” que querem dar a entender que a culpa do défice é das empresas que ainda são geridas pelo Estado (quando no fundo muitas delas são de bens públicos e são as únicas no país onde existe qualquer tipo de controlo remuneratório à gestão de topo). Mais uma vez não se especifica nada, em que diferentes áreas estas empresas operam, quais os sectores em que a dívida foi acumulada, como foi acumulada, etc. É tudo metido no mesmo saco como interessa porque dessa forma dá para liquidar tudo simultaneamente numa onda gigante de dissoluções (ou aberturas de espaço de mercado para os privados) e privatizações (compra de bens públicos por meia dúzia de euros por privados bem colocados politicamente).

A insaciabilidade das elites portuguesas por negócios fáceis é lendária.

Mas isto é apenas o presente e as nossas elites até pensam no futuro, o deles (mas isso não vem ao caso). Como o condicionamento social deve ser começado o mais cedo possível (para evitar quebras comportamentais mais tarde na vida) os tais prémios aos melhores alunos do secundário foram abolidos. Assim sem mais nem menos resolveu-se acabar com o pequeno gesto simbólico que servia essencialmente como uma honra social para quem desenvolveu grande esforço académico; a mensagem é clara, não queremos saber destes alunos, sejam eles bons ou maus – claro que nos próximos dias sairá uma nota oficial do Ministério da Educação a explicar como isto faz parte do esquema de poupanças do Estado e que qualquer leitura ideológica seria desapropriada, ficamos é sem perceber como é que os 500 euros por aluno levariam a nação à bancarrota quando ninguém parece muito preocupado com um buraco de pelo menos 6 mil milhões de euros numa região autónoma. Do bloqueio aos incentivos para a excelência seguimos para a justificação moral dos efeitos dos despedimentos em massa que já forma feitos e ainda estão por fazer (e acreditem que mal se começou porque a avalanche de incentivos que este governo está a criar nesse sentido ainda não está a funcionar em pleno), afinal as pessoas reformam-se porque estão deprimidas. O que não duvido por um segundo. O que não se explica é a causa da depressão. Perda de status social? Poder de compra? Situação profissional? Salário mais baixo? Horas extra não remuneradas? Más condições de trabalho? É um vazio de explicações em que só cabe a palavra depressão, assim passa a ser um problema de incapacidade psiquiátrica da pessoa que sai e não o resultado de políticas sistemáticas.

A citação completa é a seguinte e explica porque se deve olhar para o longo prazo: "Only a crisis - actual or perceived - produces real change. When that crisis occurs, the actions that are taken depend on the ideas that are lying around. That, I believe, is our basic function: to develop alternatives to existing policies, to keep them alive and available until the politically impossible becomes the politically inevitable"

E, claro, tudo isto leva o selo de aprovação dos meios de comunicação respeitáveis que já dizem que o apoio a este governo é entusiástico. Fiquei com sérias dúvidas sobre onde terá sido realizada esta sondagem porque tenho um círculo de contactos ainda alargado e tirando pessoas filiadas nos partidos de governo não conheço ninguém que dê sequer uma nota positiva ao que estão a fazer, quanto mais que votasse, ou voltasse a votar, neles. Não corresponde de todo à minha experiência quotidiana. Mas se vem noticiado é porque sem dúvida é verdade e os portugueses não só estão a adorar isto como ainda estão mais entusiasmados que antes, quase parece que cada corte no seu poder compra e na sua dignidade como cidadãos os excita ainda mais. Afinal parece que somos um povo de masoquistas.


A servidão subsidiada

Quando pensamos que as coisas não podem piorar ou que não podem sair mais ideias absurdas de um governo eles tendem a surpreender-nos, pela negativa, e insistem em lançar mais pacotes todas as semanas que fariam os anjos chorar. Com um desemprego real que deve rondar os cerca de 1 milhão de trabalhadores (as estatísticas mais simpáticas que circulam tendem a excluir um certo número de categorias de pessoas que ainda são, de facto e para todos os efeitos, trabalhadores sem ocupação) vai ser lançado um novo programa piloto que visa pagar às empresas para empregar quem não tem ocupação há mais de 6 meses. Sim leram bem. As empresas vão passar a ser pagas a 420 euros mensais por cada desempregado de longo-prazo que “acolherem” (o mesmo que o dito desempregado recebe de subsídio). Não há qualquer referência ao nível de qualificação do desempregado o que provavelmente quer dizer que são pagos todos pelo mesmo valor, ou seja, é possível desde o momento em que este programa for lançado que uma empresa seja paga para obter um técnico qualificado que precisa de qualquer forma. O dito técnico no entanto é forçado a aceitar uma remuneração abaixo do salário mínimo (porque afinal de contas é contabilizado como uma compensação social e não um salário – como é bonito brincar com as palavras).

As saudades que a pobreza abjecta do antigamente gera no sector conservador…

Mesmo sendo anunciado como uma espécie de programa de estágios de longa duração qualquer pessoa que tenha tido o mais leve contacto, directo ou indirecto, com essa instituição (o estágio profissional) sabe que isso em Portugal equivale a um carrossel que não garante nem emprego nem futuro a ninguém (e agora pelos vistos nem salário, só uma mísera prestação social). No dia que sai um estagiário entra outro para a mesma vaga sendo o lugar nunca preenchido e nunca entrando ninguém para os quadros da empresa – agora claro passa a existir a vantagem de não se tratar de jovens de 21 anos mas sim de, potencialmente, técnicos que já têm anos de formação, experiência e hábitos de trabalho. A ser realmente implementado nesta fase piloto (a 35000 desempregados de longo termo, ou seja, cerca de 3,5% da população de desempregados reais) e a não existir contestação suficiente corremos o sério risco de isto se tornar a forma de contratação preferencial em Portugal nas próximas décadas (alguém acredita que o empresário português não vai abusar e esticar este regime até ao limite?).

Como todos sabemos as ajudas estatais a certos sectores servem apenas o bem comum! E quem diz o contrário não sabe os sacrifícios exigidos aos nossos magnatas especulativos…

Claro que nos próximos dias e semanas estão previstas dezenas (nas palavras do ministro da economia) de novas medidas nesta área e se fossemos algo cautelosos poderíamos dizer que quase que parece que se quer diluir o efeito mediático que uma bomba destas poderia ter na sociedade. Mas para o caso de isto não passar o crivo da opinião pública já foram lançadas para o ar novas ameaças quanto à gravidade crescente da crise e como consequência lógica, não explícita, a necessidade do trabalhador se sujeitar ainda mais, o que pode incluir adicar do conceito de salário, aceitar a prestação social como substituto e ainda subsidiar (provavelmente através de impostos indiscriminados ao consumo) as empresas que lucram como este novo sistema. É curioso que em medidas que era suposto ajudarem o cidadão comum (esta nem na teoria ajuda mas está a ser vendida como tal) este governo propõe-se gastar a fabulosa soma de 100 milhões de euros mas no entanto está mais que disposto a enterrar a título perdido 12 mil milhões num sistema bancário que cavou a sua própria sepultura. Até nestas coisas se vê o que é realmente importante.

 

Adivinhem quem está de volta?

Ps: Entretanto os factos estranhos ou quase que intimidatórios não se limitam a esta medida laboral, temos mesmo uma semana em grande. Temos o sector televisivo estatal a misteriosamente abster-se de licitar conteúdos de audiências garantidas, aparecem, mais uma vez em alturas chave, estudos que visam reforçar a normalidade da ideia de privatização de certas áreas vitais e é dado mais um passo de agressividade conservadora religiosa que silenciosamente cria as bases sociais para poder voltar em toda a sua força – mais um passo na reconstrução da sua legitimidade pública.


Os senhores deste mundo

Como já havia ficado prometido há uns meses (até durante a campanha para quem esteve atento) a nova legislação laboral parece apostada em derrotar tudo o que foi feito depois de 1974, em alguns casos parece mesmo decidida em ir mais atrás. Não só passamos então a ter o despedimento por inadequação (a palavra já existe no léxico legal mas enquanto antes era aplicada a mudanças tecnológicas e obrigava o empregador a recolocar o trabalhador o novo significado implica algo completamente diferente, como não cumprir objectivos “negociados” ou “diminuição de produtividade”) que além de se traduzir por despedimento livre e gratuito, num país em que o patronato tem uma cultura de abuso sistemático sobre a sua força de trabalho, introduz o efeito negativo do terror constante no funcionário (que a partir desta altura sabe estar completamente à mercê dos caprichos do empregador). Quase que funciona como uma escola de obediência social para as classes médias e baixas, baseada no medo claro. É uma alteração total do conceito de “justa causa”? Claro que é. É inconstitucional? Parece que é. Mas e depois? Os empresários do povo estão contentes com o seu governo e é isso que é verdadeiramente importante.

O novo sistema de compensação

Trabalhadores, que na sua maioria já estão privados de representação sindical real (basta ver que o trabalho tem tendência a ser precário e mesmo quando não o é há formas de penalizar quem sai da linha – isto sem contar com a guerra de propaganda anti-sindical começada pelos conservadores há mais de 35 anos), vão agora ser obrigados a cumprir objectivos que “negociaram” de forma individual com uma entidade comercial que pode facturar centenas ou milhares de milhões de euros anualmente. É incrível que esta farsa possa sequer ser noticiada sem ser seguida de uma crítica violenta (é aqui que se vê o quanto a imprensa é mesmo um negócio) quando o poder dos parceiros é completamente díspar. Que equilíbrio pode existir nestas situações? Que escolha existe senão aceitar o que é proposto? Que melhor forma terá uma empresa se livrar de alguém que pôr-lhe objectivos impossíveis em áreas problemáticas? E que dizer das quebras de produtividade? As armadilhas ao trabalhador são as mesmas acrescidas agora do facto, natural e humano, de não sermos máquinas e da nossa produtividade não ser constante, mas mais uma vez o objectivo é a destruição de tudo o que a pessoa tem fora do emprego até que a sua existência seja uma de pura servidão. A sua vida pessoal deve desaparecer, ou tornar-se vestigial, sob pena de não ter como se sustentar (e quem se se recusa ou não é capaz quase que perde o seu direito à existência). Sem dúvida que caminhamos para uma realidade laboral cada vez mais Dickensiana em que para sermos reduzidos a operários de século XIX só falta abolir o horário e salários mínimos e termos de pernoitar na fábrica.

A única função que esperam e permitem ao Homem comum

Um dos aspectos mais surreais desta política é que ela não é contra cíclica. Antes pelo contrário. Parece que se escolheram intencionalmente as medidas que mais poderiam penalizar qualquer hipótese de recuperação económica (dentro de um espaço de tempo realista como 3 ou 4 anos e não seis meses como este governo lança para os jornais). Na cultura que temos estas medidas vão levar a um aumento do despedimento que por sua vez vai levar as pessoas ao desemprego e a uma diminuição do seu rendimento para consumo. Por sua vez o subsídio de desemprego deve diminuir e as regras de atribuição vão apertar ainda mais o que reforça a perda de poder compra. Para quem ainda fica a trabalhar as horas extraordinárias vão perder metade do seu valor o que de novo reduz o rendimento do trabalhador. Além do efeito falsificador que os objectivos arbitrários vão ter nos horários, que inevitavelmente se irão tornar mais longos (não oficialmente) impendido assim a contratação de mais pessoas e o aumento do consumo dessas pessoas. Em tudo isto só se vê um agravamento profundo da crise que só poderia ser resolvida por uma dinamização das classes médias e baixas e do seu consumo associado! Parece que intencionalmente se quer agravar a situação social do país e gerar um clima de ainda mais que medo, puro terror. O terror pode ser uma ferramenta muito útil. Para o que é que se precisaria de tal utensílio é que já não sabemos.


O fortalecimento das barreiras sociais

Não houve qualquer surpresa nas medidas anunciadas hoje pelo governo e muito menos em descobrir sobre quem vão incidir: o que ainda existe da classe média (caso não tenham percebido o IRS só taxa quem tem mesmo um emprego, ou seja, trabalha… ou seja não tem uma empresa para declarar que recebe um salário mínimo recebendo o grosso do bolo em dividendos ou outra figura legal equivalente ainda mais obscura). Como estava previsto impostos de herança sobre grandes fortunas ficaram na gaveta, tributar ganhos financeiros nem pensar, taxar propriedades acima de determinado valor (e falamos na ordem dos milhões por isso guardem as lágrimas derramadas em nome destas almas danadas que seriam penalizadas) nem está em cima da mesa para discussão. Claro que tivemos direito a um frenesim mediático o dia todo onde os comentadores bem domesticados comunicam a inevitabilidade das medidas e a sua justiça. A raiva que alguns sentem (resultado dos maus tratos e impotência total) é canalizada para meia dúzia de gritos semi-histéricos na Tv ou rádio, sem grande efeito, e ainda esta semana a maquinaria do Estado e grupos económicos privados associados começará, não só a respirar de alívio, como a implementar tudo o que foi “corajosamente” decidido.

A preocupação e cuidado humano que os nossos gloriosos mestres demonstram para connosco é comovente!

Outras medidas mais de longo prazo também vão começar a fazer efeito e a corroer o tecido social como por exemplo o facto de as bases dos serviços de educação (quando não mesmo a filosofia subjacente ao próprio conceito de educação) estarem essencialmente a ser demolidas em várias frentes. Num lado as creches são entregues a privados que usarão a partir deste momento trabalho voluntário (antes tinham mesmo que contratar profissionais mas pelos vistos em Portugal só algumas crianças é que merecem a atenção de pessoas devidamente treinadas o resto pode ficar nas mãos de amadores bem intencionados). Isto essencialmente vai degradar as condições de trabalho nesta área, já complicada, ao ponto de as tornar impossíveis (afinal de contas se legalmente posso lá ter alguém gratuitamente porque iria pagar?). Noutra frente da mesma batalha sacrifica-se completamente qualquer qualidade de ensino em nome de umas economias miseráveis e mal explicadas – dá a impressão que o objectivo de tudo isto é não só o de parar o elevador social (que já estava fora de serviço há mais de uma década) como de o desligar de vez e barricar as escadas contra qualquer intruso. As turmas aumentam, a pressão sobre os técnicos aumenta, a escola é partidarizada ainda mais e quase 40000 técnicos superiores ficam no desemprego. Outros países aproveitaram as suas grandes crises para criar grandes reformas na educação, em Portugal tomam-se medidas que só poderão contribuir para solidificar o sistema de castas sociais.

Se está a ler este blogue então tenho o triste dever de o informar que provavelmente estará do lado de fora da muralha…

Tudo indica que não haverá solidariedade entre classes sociais em Portugal. Esta muralha da China financeira e legal (e suspeito que mais tarde policial) já estabeleceu (em toda a sinceridade talvez seja melhor dizer que apenas clarificou já que o processo não foi iniciado hoje) aqueles que são os eleitos que pertencem ao “Império Celeste” e aqueles que pertencem às tribos bárbaras tributárias deste grande ponto de emanação de “ordem”. Esquecem-se, ou preferem esquecer, que do outro lado da barreira que criam pode nascer um grande Khan…

“Eu sou o castigo de Deus… se não tivessem cometido grandes pecados, Deus não teria enviado um tão severo castigo como eu sobre vocês.” – frase atribuida a Gengis Khan


Enquanto os segredos continuam secretos

Parece existir um certo esforço concertado no sentido de forçar a nossa atenção nos escândalos ligados às secretas que parece exceder o normal ou recomendável. Não faço ideia do que se passou ou não passou mas isso passa ao lado da questão central. Qualquer investigação real a este tema será secreta (surpresa!) e como tal o cidadão que anda tão consumido em descobrir meia dúzia de teias de corrupção e tráfico de influência vai ficar na mesma, às escuras. O curioso é que ainda não parecem ter percebido que mesmo que o inquérito fosse sério, e competente, e houvesse coragem de publicar resultados, e prosseguir para julgamento e consequências políticas estes dois tipos de crime são: 1) tolerados moralmente pela maioria da população, basta ver o comportamento eleitoral na política local e 2) Impossíveis (ou quase) de fazer prova em processo judicial. Ou seja o resultado final de tudo isto só pode ser um silêncio ensurdecedor quanto aos factos em questão seguido de um vazio de consequências. Assim sendo não era melhor ir olhando para outras coisas que não estão a ocupar o “prime time”?

O cidadão bem informado a ler informação devidamente uniformizada.

Como o facto de a banca estar a fazer exigências superiores a 400 milhões de euros ao Estado para que este pague a dívida de uma concessionária de auto-estradas (aqui não há preocupação com a despesa? Pagamos como contribuintes quando entidades privadas nos mandam? Pelas razões que lhes apetecem? Não se investigam como esta “dívida” foi adquirida?). Como o facto de a sua prestação de casa ter subido 15 euros em média em Julho (e continuar a sua escalada ascendente). Como o facto de os serviços públicos essenciais para a sobrevivência humana continuarem a ser vendidos a um ritmo tão alucinante que nos impede de acompanhar o que se passa com cada processo. Como o facto de dentro da União Europeia continuarmos a sofrer pressões enormes para destruir o que resta das nossas protecções laborais (eu sinceramente não sei o que ainda existirá para “liberalizar”… acabar com o salário mínimo? Acabar com o horário máximo semanal? Mais cortes salariais arbitrários? Acabar com o contrato de trabalho de todo e ser pago ao dia ou à hora? Ceder o nosso voto à entidade que nos emprega??). Como o facto dos preços dos combustíveis continuam completamente desregulados e continuarem a subir sem a opinião pública ter noção se existirá qualquer relação entre o preço e o custo real?

Quanto mais se fala de algo mais urgente é dar a impressão que esse algo é real. Conhece palavra mais usada que "liberdade"?

Afinal há muito mais a acontecer a que não é dado nem metade do destaque do processo das secretas. Coisas que o afectam a si de forma clara, imediata e permanente. Basta prestar um pouco de atenção e deixar as histórias “reluzentes” dos espiões das quais você, caro leitor, nunca irá saber nada de relevante. Olhe para a sua vida e não deixe que o distraiam ou choquem ao ponto da apatia. A sua voz devia estar a ser ouvida e tida em conta na maioria (senão todos) destes temas e no entanto foi remetido para um papel marginal de ser sem cidadania plena cujo único dever é pagar e cuja única demonstração de patriotismo aceitável é bater palmas a este sistema.


Desilusões perigosas

Acho fantástico que se as pessoas pela primeira vez em décadas comecem a dar sinais de vida cívica, ou pública, e estejam já a preparar uma nova manifestação contra precariedade e todo o sistema que a mantém. Mostra que pelo menos ainda não estão completamente apáticos face ao que lhes está a ser imposto. Mas há graves problemas com a mentalidade que este tipo de iniciativa incentiva. Em primeiro lugar quase que dá a entender que isto é um passeio de Domingo em que até dá para ser divertido – o objectivo de qualquer movimentação social séria não é que as pessoas que nele participam estejam divertidas, para isso o sistema já proporciona, com uma vasta gama de preços e gostos, entretimento para todos; a intenção seria quebrar precisamente esse circulo vicioso diversão com aparência de contestação. Em segundo lugar, e isto é o mais importante, estas primeiras manifestações populares estão destinadas ao fracasso. Quando se sai para a rua é para das duas uma, ou fazer uma exigência concreta ou forçar alguém a abandonar o cargo. Neste caso não há nada disso no cardápio. É uma manifestação apenas por manifestação. Nada é pedido em concreto e como tal nada pode ser oferecido, não existem possibilidades negociais quando não há exigências concretas.

Brincamos?

Se me estivesse a sentir particularmente cínico diria que estão a cansar intencionalmente as pessoas com eventos que não podem pela sua natureza e organização (ou falta dela) produzir resultados reais com o objectivo de as imunizar a iniciativas que possam surgir, mais tarde, com algum potencial de sucesso e de mudança. Criar uma boa dose de desilusão com a vida pública (no verdadeiro sentido da palavra, de participação na Pólis, directamente e não apenas de forma afastada e inconstante como a nossa cultura política nos forçou) nas novas gerações para depois facilitar uma imposição de conformismo. Esperemos que não seja o caso e eu esteja apenas algo pessimista. Esperemos que se trate antes de um acordar de responsabilidade cívica por parte de pessoas que quase que se esqueciam que faziam parte de uma comunidade política. Mas por este ponto de vista convém então refrear, e muito, as esperanças que se possam ter sobre este primeiro tipo de iniciativas. Não vão dar em nada concreto, nem é suposto darem em nada (tal como pode comprovar pelo que aconteceu lá fora).

Se eu não fosse Alexandre, queria ser Diógenes...

No imediato o que há mesmo a esperar é que a continuação do teatrinho das “reformas” e da seriedade intocável. E da “enorme” preocupação com a despesa pública. Ou pelo menos aquela parte que é destinada à redistribuição social, fomento da economia real e manutenção de serviços públicos suficientes que nos permitam pelo menos aspirar ainda a ser um país senão do primeiro mundo pelo menos do segundo.


A demolição prossegue a bom ritmo

Se há algo que não me canso de repetir neste blogue é que o governo tem pressa. Tem pressa em legislar. Tem pressa em começar a aplicar. E acima de tudo tem pressa para fechar portas. Há que correr antes que alguém comece a fazer muitas perguntas ou muitas contas que não possam ser afastadas com a ajuda de um “jornalista/entrevistador” simpático como simples trica partidária, má fé, ou ideologia (como se esta última não fosse sequer uma crítica legítima! É quase a proibição formal de falar de modelos de funcionamento de sociedade). Há pressa porque quando esse dia chegar acabou. As portas fecham-se. As pessoas simplesmente bloqueiam todo o funcionamento do Estado e Empresas satélite podendo chegar ao extremo de exigir a reposição de pelo menos parte daquilo que lhes foi retirado sem consentimento. Portanto, como qualquer um pode ver, é do interesse do Estado apressar a transferência de riqueza o máximo possível antes que tal suceda e trave muitas ambições. Agora chegou a vez dos equipamentos sociais (não se enervem desmesuradamente porque chegará a hora de outros sectores).

Não se preocupem... a receita é única e serve para todos.

A fome de oportunidades de rendimento fixo garantido de certas entidades comerciais chega ao ridículo de o Estado só deter neste momento menos de 5% do total destas instituições mas estar previsto o seu quase total desmantelamento. É verdade que é um sector que só pode crescer pois afinal todos queremos o melhor para os nossos filhos e pais mas o que não está a ser equacionado (incompreensivelmente) é o poder económico da classe média. Especialmente o facto de estar em queda livre. A procura pode existir teoricamente mas nunca poderá ser satisfeita pelos privados que ou exigem pagamento directo (que para a maioria é simplesmente impossível em termos de orçamento familiar) ou indirecto (através de subvenções do estado numa altura em que a carga fiscal se aproxima perigosamente daquilo que é possível sustentar como ser humano ainda livre – com a notável excepção das empresas e especialmente do sector especulativo que parecem fazer parte de outra economia, com outras regras e outras exigências que não a sobrevivência do país).

Há temas que é melhor ser mesmo assim... na sombra, no silêncio... sem nunca se perceber muito bem o como e o porquê...

As racionalizações são as banalidades do costume usadas para tapar mais uma transferência colossal de bens e rendimento (e poder social), mais uma suposta eficiência acrescida (em quê pode-se perguntar? – o curioso é que para outros sectores bem menos vitais do estado esse standard parece que se evaporou) que se traduz ou em menos direitos para os utentes ou para os funcionários ou ambos (e o efeito de bola de neve de tudo isto no resto da economia fica, como sempre, enterrado em montanhas de propaganda sobre a superioridade do mercado). Como se isto fosse positivo. Mais engraçado é ver uma das instituições que mais envolvida está no sector social (por razões próprias…) manter um silêncio espantoso sobre este tema gritante ou os detalhes que o rodeiam. O melhor mesmo é mostrar carinhas novas na TV deslumbradas com esplendor da corte em viagem e desejosos de fazer o beija-mão. Muito mais impressionante e evita questões embaraçosas. Já agora para quem estiver curioso o sector em questão vale 5% do PIB. Uma boa maquia não vos parece?


O jogo das palavras

Quem estiver farto de fazer o sudoku ou as palavras cruzadas do semanário pode sempre optar por abrir o dito jornal (ou ligar a tv, ou ler um blog de um daqueles senhores “respeitáveis”, a escolha é sua, como sempre, caro consumidor de produtos substitutos) e tentar seguir o role de medidas e contra medidas que nos estão a ser prescritas mais depressa do que conseguimos processar. Se for uma alma intrépida até pode ler as medidas em detalhe e depois a pouca crítica real que existe mas deixe-me resumir-lhe aqui tudo que vai encontrar e o que não vai encontrar porque ninguém lhe quer contar (ser portador de más notícias num clima que se quer de optimismo artificial tende a ser muito mal visto): se não pertence à elite socioeconómica deste país eis o que o espera nos tempos mais próximos:

1)      Empobrecimento pela via da diminuição das suas receitas.

2)      Empobrecimento pelo aumento da carga fiscal.

3)      Empobrecimento pela exclusão de serviços públicos.

4)      Empobrecimento pelo aumento das suas despesas obrigatórias.

5)      Empobrecimento causado por possível despedimento ou corte salarial (que vai aceitar para não perder o emprego).

6)      Empobrecimento geral para subsidiar o sistema de capitalismo rendeiro (o que se chamariam impostos extraordinários ou taxas extra cobradas pelas próprias entidades não verificadas ou controladas).

Ainda não leu tudo sobre o tema? 🙂

E deve ter noção que, dado o modelo económico para o qual estamos orientados, este empobrecimento é para ser permanente. Não recuperável. Ou seja a classe média como você a entende provavelmente chegou ao fim. Mas não se preocupe, se o seu rendimento ainda o qualifica para essa categoria o tempo tratará de o desgastar o suficiente para já não ser esse o caso. Bem-vindo à nova pobreza (que é bastante parecida com antiga tirando no facto de ninguém admitir que ela existe em doses industriais e crescentes). Os quilos de papel que não leu (ou leu e nesse caso parabéns pela paciência necessária para ler tanto material inútil) visam todos comunicar isto sem o dizerem realmente e claro enfiando doses colossais de “esperança” e “fé” e outras palavras que dão às pessoas quando não se quer criar muito pânico. E agora que já sabe o que as palavras querem dizer e percebe que isto não é um jogo o que tenciona fazer?

Já escolheu? Ou melhor... já percebeu que existem escolhas?


O aristocrata e a plebe

David Cameron, primeiro-ministro inglês, ex-aluno de Eton, milionário, primo da rainha e casado com a herdeira de um título nobiliárquico propõe mais violência para lidar com a crise económica do país. Se não aceitam a bem perder tudo aceitarão a mal, à sombra de um poder policial total. A plebe, um misto de revoltados contra um sistema que os abandonou para morrerem e desintegrados, é pintada como já não se via desde os dias de Margaret Thatcher (ou melhor Lady Thatcher porque pelas suas medidas “heróicas” de violência contra o seu próprio povo e uma guerra de brincar nas Malvinas foi promovida a baronesa). São duros, burros, porcos e maus de forma universal como se quer numa boa demonização. Não há qualquer motivo para cometerem tais actos e o facto de serem vítimas de um dos maiores programas de choque da Europa é um facto completamente alheio a tudo isto. O sistema económico britânico praticamente colapsa (basta ver o estado do seu sector bancário) e isto não teria consequências nas pessoas. Que se assume que aceitariam ser reduzidas a uma pobreza humilhante (seriam socialmente anuladas) sem abrir a boca ou perturbar os cavalheiros e damas de bom nome e estatuto social.

Os cidadãos produtivos...

A imagem é convenientemente simplista como as pessoas tendem a gostar. O cavalheiro das boas famílias que defende a lei e a ordem a todo custo contra uns vilões que só falta serem descritos como fisicamente deformados (porque até tentativas de vender isto como fenómeno só racial já houve e falharam – tudo menos assumir as ramificações económicas). Independentemente dos excessos cometidos numa raiva cega, por quem já nada tem a perder, quem está de fora não deve engolir os mitos que parecem estar a ser criados por políticos que querem a sua própria imagem de “durões” – já que em em popularidade não conseguem e o seu governo só existe por um erro de cálculo dos Liberais Democratas que mais mês menos mês devem abandonar a coligação. Uma situação periclitante para o seu poder e imagem pessoais que exige uma resposta brutal que fique na memória das pessoas: “Os restauradores da Ordem”. A quem vê as coisas apenas pelos meios de comunicação oficiais pede-se o discernimento de ler entre as linhas da versão oficial que nos é filtrada. Isto parece ser mais complicado, feio e classista do que nos está a ser dado a entender. Além de estar a criar o precedente de usar as próprias forças de segurança (ou mesmo militares) contra a a própria população.


O não debate

Deveria talvez dizer outro “não debate” porque com a corrida às privatizações (perdão penso que actualmente o termo é “reformas”) que se está a fazer começa a ser complicado ter noção de quantas coisas estão em cima da mesa e de quem está a tomar decisões sobre o quê (reparem que neste caso o destino da empresa, RTP, é decidido por comissão – para minimizar a responsabilidade de cada um?) – aparentemente não há qualquer autoridade central que esteja a coordenar estas mudanças radicais da sociedade portuguesa, simplesmente grupos dispersos que obedecem a um mesmo interesse. Isto é a via mais fácil de mudar seja o que for sem ter que dar contas a ninguém. Já que nunca se tomou formalmente uma decisão de mudança radical de paradigma social não tem que se justificar o que está a acontecer aos bochechos. O primeiro ministro não assume responsabilidade pelo novo paradigma. Os ministros responsáveis de cada área muito menos (aliás muitos deles escudam-se atrás de uma suposta independência tecnocrática quando basta olhar para os CVs deles para perceber que tal é perfeitamente impossível). As comissões dividem ao máximo a carga moral e apenas recomendam acções. Parece que é tudo muito difuso mas cada dia que passa os portugueses acordam para um país ligeiramente diferente: mais pobre, menos livre, mais medroso, mais dependente das elites, e acima de tudo um país onde não fomos ouvidos sobre nada.

E claro que tudo tem que ser rápido para não nos dar tempo sequer de respirar. Suponho que assim seja porque a partir do Natal os próprios reconhecem que começarão a ter oposição séria – daquela nas ruas e nos locais de trabalho, não daquela que vem do gigantesco logro a que chamamos parlamento e que nunca atinge nada real. Não gosto deste tipo de pensamento, de política de rua, mas quando as instituições políticas, que deveriam ser o cerne da nossa comunidade Pública, estão mortas ou quase que conspiram contra o seu próprio povo não a posso considerar ilegítima (seria o mesmo que considerar a Revolução Francesa ilegítima porque não seguiu os canais próprios do regime absolutista). Cada dia duas reformas pelo menos. Uma verdadeira corrida em que nem sabemos quem são os corredores ou qual é o prémio. Só quando tudo for irreversível é que nos mostrarão a obra completa e irreversível do Novo Portugal (pelas “obras” parece pode vir a ficar surpreendentemente parecido a outra coisa que também se dizia “Novo”). Quando for tarde demais para reagir aí sim saberemos tudo. Tudo menos a quem atribuir responsabilidades claro.